Título: Alunos relatam irregularidades
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2011, Política, p. 5

Com o convênio ainda em execução, a aplicação do curso pela Federação Interestadual dos Mototaxistas e Motoboys Autônomos (Fenamoto) praticamente não é fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Motoboys que participaram do programa de capacitação no Distrito Federal (DF), localizados pelo Correio, relatam situações de irregularidades por parte dos funcionários da entidade.

Um desses motoboys, que pediu anonimato, conta que os alunos eram ¿praticamente obrigados¿ a assinar uma declaração em que diziam ter recebido transporte para chegar ao local do curso. ¿Essa van não existia. Chegou quando faltavam cinco dias para acabar as aulas.¿A história é reforçada por outro motoboy: ¿O comentário é que havia um auxílio-transporte, mas alguém ganhou com isso. Todo mundo que eu conheço ia com sua própria moto.¿

Motofretistas relatam também que os funcionários da Fenamoto solicitaram comprovantes de endereço no DF, mesmo para quem mora em outra unidade da Federação. ¿Eles pegavam de amigos e parentes que moram aqui. Por que precisou disso eu não sei¿, afirma um motoboy. Boa parte dos alunos diz que o curso durou mais de um mês, de segunda a sexta-feira, mas um deles conta que foi dispensado de 50 horas de aula ¿ o curso deve ter 200 horas de duração. ¿Como não faltei nenhum dia, me disseram que não ia precisar repor aulas¿, completa.

A avaliação do conhecimento, uma exigência do curso de qualificação, era feita sem qualquer controle, segundo um dos participantes. ¿Era só um professor para avaliar vários alunos. As notas dadas não correspondiam ao que de fato estava sendo feito¿, relata um dos motoboys ouvidos pelo Correio. Para uma das turmas, as apostilas só chegaram no fim do curso. Para outra, as aulas práticas se resumiram a contornar cones dispostos num estacionamento.

Certificado Nenhum dos motoboys que participou do curso oferecido pela Fenamoto, com dinheiro do MTE, recebeu o certificado. Parte deles foi informada que os atestados seriam entregues numa solenidade com a presença de autoridades políticas. Outros foram instruídos a esperar o fim da capacitação dos 2 mil motofretistas, quantidade prevista no convênio firmado entre o MTE e a Fenamoto. O que não foi dito aos participantes é que a entidade não está credenciada no Departamento de Trânsito (Detran) do DF e, portanto, não está habilitada a oferecer o curso cobrado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Enquanto esse credenciamento não ocorrer, os certificados não serão expedidos pelo Detran.

Quase todos os motoboys ouvidos pela reportagem ressaltaram a importância do conteúdo oferecido, como legislação de trânsito e direção defensiva, mas o temor de que podem ter perdido tempo, ao não receberem o certificado, é generalizado. ¿O que se comenta entre os motoboys é a possibilidade de ter de fazer o curso de novo. Qualquer hora a fiscalização arrocha para cima da gente¿, afirma Altanir Stocco, 37 anos, que fez o curso da Fenamoto em novembro. ¿Eles ficaram de me ligar para falar do certificado, da cerimônia de entrega, mas até agora nada.¿ Altanir é ascensorista num prédio público pela manhã e, à tarde, trabalha na entrega de faturas médicas, em cima de uma moto.

Para a coordenadora do curso, Valéria Cristina, funcionária da Fenamoto, não há qualquer irregularidade na capacitação dos motoboys do DF. Ela diz que o programa atende moradores das cidades no Entorno do DF, em Goiás, e por isso é exigido um comprovante de endereço de alguém que resida no DF. ¿São cidades-dormitórios. Os motoboys atuam em Brasília. Colocamos os comprovantes de endereço que eles levaram.¿ Segundo ela, as 200 horas foram cumpridas para todas as turmas. Quanto às avaliações, Valéria afirma que o MTE exige apenas que ¿a gente qualifique o profissional¿. ¿O Detran do DF disse que eles deverão fazer uma nova prova¿. Segundo a coordenadora, ¿só faz o curso quem estiver habilitado na categoria A¿.

Regulamentação A União manifestou-se na semana passada na ação direta de inconstitucionalidade que pede o fim da regulamentação da profissão de mototaxista. A ação foi movida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Para a Advocacia-Geral da União (AGU), a regulamentação do transporte de passageiros em motocicletas não constitui ameaça à saúde pública, como argumentou o procurador-geral. Pelo contrário: a legalização da atividade leva a uma diminuição de acidentes, segundo o consultor-geral da União Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy.