Título: Inflação mundial em alta põe fim a ciclo de corte de juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2008, Opinião, p. A8
O ciclo de redução de juros nos Estados Unidos está no fim e as chances de eles viessem a ser reduzidos também no continente europeu já se tornaram remotas. O preço do petróleo, que ultrapassou US$ 132 o barril e sobe com regularidade assustadora, deixa pouca margem a dúvidas: a inflação está subindo em todo o mundo e o caminho das taxas de juros de agora em diante tenderá a ser para o alto. Os estragos nos índices de preços ao redor do mundo, empurrados pelo petróleo, outras commodities e alimentos são significativos. A Merrill Lynch projeta um avanço da inflação mundial de 3,4% no ano passado para 4,7% em 2008.
A posteriori, as cotações do petróleo mostraram que as previsões pessimistas o destino da economia americana estavam erradas. Pois se a demanda inabalável dos países emergentes vinha dando sustentação aos preços do óleo e derivados, eles por si só não teriam um fôlego tão grande se o maior consumidor mundial, que importa mais de 50% do que consome, estivesse às voltas com uma recessão. Muita coisa de ruim ainda pode acontecer com a economia americana, mas até agora ela está passando, ainda que raspando, a prova dos nove. A maioria dos economistas dava como certo um encolhimento do PIB nos primeiros e segundo trimestres do ano. O primeiro trimestre encerrou-se com um avanço de 0,6%. Os indicadores antecedentes do Conference Board indicam que a economia americana provavelmente escapará da recessão.
Por outro lado, a inflação americana voltou a preocupar e o Fed já sinalizou - e os analistas concordam - que os juros não cairão mais no curto prazo. Os preços no atacado dispararam em abril e bateram o recorde mensal desde 1991. O núcleo do Índice de Preços ao Produtor atingiu 0,4%, o dobro dos 0,2% do índice cheio. Em doze meses, o índice de preços ao consumidor é de 3,9%. Seu núcleo está em alta, segundo previsão do Fed, e caminha para os 2,4%. E se a maior economia do mundo se manteve acima da linha d'água nos primeiros cinco meses do ano, apesar da desaceleração - os EUA devem crescer apenas 1,2% no ano - é preciso considerar que o pacote de US$ 160 bilhões de corte de impostos só começou a ser executado este mês e ainda não teve tempo de surtir efeito. Sem falar em outro, de US$ 300 bilhões, que está a caminho na Câmara, para refinanciar hipotecas de compradores inadimplentes.
Na União Européia, o crescimento também surpreendeu e está sendo maior do que se esperava. Ele é vigoroso na Alemanha assim como a inflação no atacado (5,2% em 12 meses encerrados em abril). O relativo vigor do mercado europeu puxou as exportações de Coréia do Sul, China, Hong Kong e Japão, que cresceram acima de 20% no último ano. A economia dos Bric, por outro lado, continua acelerada e a soma de todos os fatores dá uma conta pesada e crescente do petróleo, que se reflete na inflação em alta. Da pequena Islândia, com 11,8%, até a Rússia, com 13,3%, da Colômbia, com 5,73% ao Brasil, com 5%, os índices de preços não dão sinais de descanso. Os preços do petróleo não deverão permitir que eles caiam sem ajuda de uma política monetária mais apertada e, por consequência, alguma desaceleração econômica.
O Brasil sofre menos com a alta do petróleo porque é quase autosuficiente em petróleo, mas não pôde estancar as demais correias de transmissão inflacionárias, especialmente alimentos e muito menos os importados, que contribuíram por um bom tempo para conter preços, mas deixaram de exercer este papel e hoje apontam na direção contrária. As taxas reais de juros no país são as mais altas do mundo e são uma das poucas positivas. Na China, Rússia e Índia, por exemplo, são negativas, mas a inflação, por outro lado, é maior.
Embora ainda possa haver surpresas bastante desagradáveis vindas do mercados financeiros, é quase certo que a partir de agora o cenário de inflação crescente tome a dianteira nas preocupações dos bancos centrais. Como a oferta de petróleo não crescerá a curto prazo, como o demonstraram os últimos três anos, a economia mundial terá forçosamente de desacelerar. Os bancos já contribuem para isso com redução de empréstimos. Há riscos, porém, na elevação dos juros em um momento em que as instituições financeiras mal se recuperaram. Há mais tempo ruim pela frente.