Título: Serra quer investir mais com venda da Nossa Caixa
Autor: Costa , Raymundo ; Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2008, Finanças, p. C1

O governador José Serra quer mais dinheiro para investir em São Paulo com a transferência do controle acionário da Nossa Caixa ao Banco do Brasil (BB). "As contas estão arrumadas, mas não há dinheiro suficiente para investimento", disse Serra a interlocutores depois que foi anunciada, quarta-feira última, a abertura das negociações .

Ao falar das necessidades de investimento para São Paulo, Serra costuma dizer que "só o programa do metrô e CPTM (240 quilômetros de trilhos que o governo estadual está transformando em metrô de superfície)" prevê recursos de R$ 17 bilhões, até 2011. Isso além do Rodoanel - após a conclusão do trecho Leste, Serra promete começar imediatamente o trecho Sul.

"Metade do Estado está engarrafado", costuma argumentar José Serra, quando se refere aos programas estaduais que precisa tocar na área de transporte. Além do eventual dinheiro da transferência do controle da Nossa Caixa, Serra em junho também assinará acordos de financiamento com organismos internacionais como BID, Banco Mundial e JBIC (banco japonês para cooperação internacional).

Nas conversas com assessores, José Serra prevê que as negociações com o Banco do Brasil serão demoradas, pois tudo terá de ser pactuado, e será discutido qual o melhor valor que ela tem (a Nossa Caixa não será vendida pelo valor em bolsa). "Se não valer a pena, não vende", advertia ontem o governador a amigos, enquanto brincava com o neto.

Em 2006, o governo de São Paulo suspendeu a alienação de 20% das ações da Nossa Caixa, programada no governo de Geraldo Alckmin para ser executada por seu sucessor, Claudio Lembo. Serra pediu e Lembo suspendeu a operação. Na época, Serra comentou que, da forma como fora configurada, a venda seria feita a "preço de banana".

Nos dias seguintes à suspensão da operação, como as ações da Nossa Caixa subiram 10%, Serra concluiu que foram confirmadas suas previsões. Os tucanos ligados a Serra também não concordavam com o argumento segundo o qual a venda era necessária para fechar o Orçamento estadual, como foi então divulgado à época.

Alckmin havia projetado para o ano de 2006 um valor recorde de investimentos no Estado, da ordem de R$ 9 bilhões, e a alienação era essencial para o cumprimento das ordens de serviço. Ao decidir suspender a operação de venda da Nossa Caixa, Lembo não comunicou previamente os então secretários de Fazenda e Planejamento do Estado, Luiz Tacca e Fernando Braga, pessoas de confiança de Alckmin. Para impedir que um rombo se formasse nas contas do Estado, Tacca e Braga planejaram campanhas de arrecadação, em troca da anistia de débitos, além da suspensão de investimentos ainda não empenhados. As manobras foram bem-sucedidas e não houve déficit.

A Nossa Caixa voltou à mesa de negociação quando o secretário da Fazenda de São Paulo foi procurado pelo Banco do Brasil. Quem informou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da negociação em curso foi o BB. Até o anúncio do "fato relevante", na quarta-feira, Serra acompanhou o desenrolar das conversas, que autorizou.

O governador recusa qualquer interpretação política da negociação. Avalia que são coisas complementares: o Banco do Brasil tem interesse no negócio para ampliar a distância que o separa dos outros grandes bancos e entrar num mercado - o de São Paulo, o maior do país -, do qual detém apenas a quarta posição. Ou seja, o BB ganha poder maior de competição no Estado.

A Nossa Caixa, por outro lado, havia acusado o golpe de sentenças judiciais determinando o pagamento de correções de antigos planos econômicos, o que levou a uma queda no valor de suas ações. Ela também comprara a folha de pagamentos do governo por R$ 2 bilhões (folha que dividira com o Santander e que, antes de Serra, geria sozinha e de graça), o que não deixa de constituir um peso.

Serra poderia simplesmente privatizar a Nossa Caixa, como fez com a venda da folha de pagamentos da prefeitura da capital, arrematada pelo Itaú por cerca de R$ 500 milhões. Isso, no entanto, jogaria para baixo o valor do banco, porque o melhor produto da Nossa Caixa são os depósitos judiciais, que somam R$ 12 bilhões, e por determinação constitucional devem ser feito em banco oficial.

Ou seja, no caso de privatização da Nossa Caixa, os R$ 12 bilhões de depósitos judiciais teriam de ser transferidos para o próprio Banco do Brasil ou para a Caixa Econômica Federal (CEF). A transferência do controle - Serra lembra, com freqüência - requer aprovação da Assembléia Legislativa, assim como ocorreria também no caso de privatização. No plano administrativo, precisaria ser avalizada pelo Banco Central .

A proposta do Banco do Brasil surpreendeu o PT paulista, que tentará se reunir hoje para discutir o tema. "Sabíamos da ênfase privatizante do governo Serra desde que ele determinou a modelagem para a venda de todas as empresas controladas pelo Estado. Mas achávamos que a Cesp e talvez a Sabesp fossem a bola da vez. O que não podíamos esperar era o interesse do BB em fazer esta aquisição", comentou o vice-líder do PT na Assembléia Legislativa, deputado Simão Pedro.

Segundo o deputado, nesta sexta o presidente estadual da sigla, o prefeito de Araraquara Edinho Silva, tentará reunir-se com a bancada do PT na Assembléia "para tentar compreender o significado disso". Os petistas se preocupam com o grau da aproximação entre o governador e o Palácio do Planalto.

A negociação ata as mãos do PT em relação ao tema, já que atacar a incorporação significaria contrapor-se ao Banco do Brasil e, por tabela, ao Ministério da Fazenda. Mas os integrantes do partido apostam que a fusão necessariamente acarretará demissões, dado a superposição de estruturas, o que deve mobilizar o Sindicato dos Bancários e a CUT contra o BB.