Título: Voto: modo de usar
Autor: Vieira , Cathe ; Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2008, EU & Investimentos, p. D1

A temporada de assembléias gerais de companhias abertas deste ano trouxe um saldo positivo em relação ao perfil burocrático que sempre dominou esses encontros no mercado brasileiro. Algumas empresas se esforçaram para detalhar mais a pauta dos assuntos das reuniões e facilitar o entendimento dos temas pelos acionistas. Além da Lojas Renner, que adotou um manual para assembléia ainda em 2006, CPFL, ALL Logística, Embraer, Perdigão, Paranapanema, Itaú e sua holding Itaúsa se preocuparam em melhorar os dados sobre a reunião neste ano.

Apesar de ser um avanço ante o cenário anterior, o número de empresas preocupadas em incentivar a participação dos minoritários nas assembléias continua pequeno. Ainda mais considerando-se que só o Novo Mercado da Bovespa, espaço de excelência em governança e transparência, acumula 99 empresas listadas. No total, existiam 404 companhias com ações negociadas na bolsa ao fim de 2007.

A mudança de comportamento das empresas - ainda que poucas - revela a evolução do mercado local nos últimos anos, com a grande quantidade de aberturas de capital, o avanço no debate da governança e, especialmente, a expansão da participação do pequeno investidor. Em 2000, o país contava com pouco mais de 76 mil aplicadores pessoa física. No ano passado, esse total superava 310 mil.

O tema é importante porque, assim como o voto é a expressão máxima da cidadania em um regime democrático, a participação na assembléia é o exercício do direito maior do acionista nas empresas abertas. Mas, para exercer tal direito, o investidor precisa entender os assuntos tratados na assembléia. Esse debate ganhou força no Brasil no fim de 2007, junto com a discussão sobre como atrair os minoritários para os encontros.

Nos Estados Unidos, as companhias são obrigadas a fornecer dados completos, justificativas e argumentos para suas propostas. Junto com as explicações, a empresa provê ainda um modelo de procuração de voto para simplificar os trabalhos para os acionistas que quiserem manifestar a opinião, mas que não puderem comparecer à reunião. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) enfatizou a necessidade de detalhamento da proposta da diretoria para assembléia em ofício circular no começo deste ano.

Apesar de ainda serem pouco populares por aqui, os documentos das primeiras experiências mostram o esforço de tornar o material didático e atrativo. Além de contarem com capas vistosas, índice de assuntos, modelos de procuração anexados, esses livretos trouxeram entre 15 e 45 páginas de detalhamento. O avanço é substancial considerando-se que até bem pouco tempo o único documento disponível era o edital de convocação, com os itens a serem tratados resumidos em um anúncio de dez breve linhas.

As edições começam geralmente com uma carta do presidente do conselho de administração, convidando o acionista a participar da assembléia geral ordinária e ressaltando a importância da presença no encontro. Com isso, espera-se que os investidores, cujas aparições nas assembléias ainda são escassas, passem a se interessar mais. A idéia é transformar a antiga convocação em um convite.

Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec), acredita que os manuais têm um papel muito importante para ajudar na mudança cultural do comportamento do investidor. Com mais informações - e mais didáticas -, eles podem participar mais ativamente dos encontros.

É verdade que as administrações têm motivo para mostrar empenho. Apesar de haver na lista empresas de controle familiar, como o banco Itaú, não é à toa que boa parte das companhias que dedicaram atenção ao assunto tem sua estrutura de capital pulverizada - ou quase. Nesses casos, o tema é mais relevante, pois significa garantir quórum mínimo para as assembléias. Esse foi o dilema que levou a Lojas Renner, a primeira a pulverizar o capital na bolsa, a ser pioneira na iniciativa. Havia grande dificuldade de reunir a fatia necessária para as reuniões.

Edna Biava, gerente de relações com investidores da Perdigão, conta que os resultados da iniciativa já começaram a aparecer. Desde que a estrutura de controle ficou diluída, a partir de 2006, a empresa busca a maior participação dos investidores. "Já fazíamos essa ação com mensagens por e-mail para nossos investidores. Neste ano, além de chamar atenção para a importância da presença, mandamos em anexo o manual que consolida todas as orientações." O quórum na última assembléia extraordinária foi de quase 70% dos acionistas. Embora muitos tenham enviado procuração, vários compareceram fisicamente. "O auditório de cem lugares ficou quase todo cheio."

A idéia de fazer os manuais ganhou incentivo extra quando a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, decidiu fazer, no início deste ano, um levantamento das empresas que detalhavam a pauta das assembléias, dentro da sua carteira de participações e das companhias listadas no Novo Mercado. Concluiu que pouquíssimas davam explicações sobre os temas que seriam discutidos. O diretor de participações da fundação, Renato Chaves, lembra que mandou dezenas de cartas pedindo às companhias que dessem mais atenção ao tema, pois sem isso ficava difícil fazer avaliações prévias mais cuidadosas.

"Fiquei bastante satisfeito ao ver os manuais. Acho que houve resposta bastante rápida de algumas companhias", diz Chaves. Segundo ele, além das empresas que já colocaram o manual na rua, outras responderam à carta manifestando que têm planos semelhantes.