Título: EUA e UE atacam proteção para indústrias do Mercosul
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2008, Brasil, p. A3

O confronto entre o Brasil, Estados Unidos e União Européia (UE) na negociação de produtos industriais reforça a possibilidade de mais um fiasco na Rodada Doha nas próximas semanas. Os mediadores das negociações agrícola e industrial convocaram os 151 países para intensas negociações de hoje até domingo, na Organização Mundial do Comércio (OMC), com base nos textos de compromisso que divulgaram na semana passada. A idéia é pavimentar o terreno para os ministros se reunirem em junho e fazerem as barganhas finais entre os dois setores para fechar um acordo.

Mas negociadores dos EUA e da UE começaram a advertir que a inclusão de propostas de flexibilidade para o Mercosul proteger setores industriais, se aceitas, tornarão "muito mais difíceis" para Washington e Bruxelas apoiarem um acordo. O Brasil foi incisivo em sua resposta: "Sem esse dispositivo, é uma garantia de que não terá acordo"', retrucou o principal negociador comercial brasileiro, embaixador Roberto Azevedo. Grupos industriais dos EUA e da UE elevaram a voz contra o tamanho das flexibilidades para países em desenvolvimento, mas alvejando, sobretudo, o Mercosul.

O texto do mediador industrial, Don Stephenson, prevê que países em desenvolvimento que integram uniões aduaneiras possam excluir o comércio entre seus membros do cálculo do valor de importações que vai determinar o tamanho da flexibilidade (se o corte acertado for de 60%, certos setores terão redução tarifária de apenas 30%). Para Washington e Bruxelas, o cálculo para as uniões aduaneiras permitirá, no caso do Mercosul, que o Brasil e a Argentina reduzam substancialmente a abertura de seus mercados para produtos industriais.

A influente "neswletter" BNA, de Washington, publica uma estimativa que circula entre os americanos. Por exemplo, se o Brasil optar pelo coeficiente 19-21 (significa corte por volta de 60% nas tarifas) e excluir linhas tarifárias representando 17% das importações, a flexibilidade para o país aumentaria para até 20% de suas linhas tarifárias industriais. No caso da Argentina, a exclusão seria ainda maior, de 32% fora da liberalização.

Para o Brasil, porém, essas cifras são completamente falsas. Foram apresentadas numa videoconferência pelo embaixador americano junto à OMC, Peter Allgeier. Quando o Brasil reagiu, alguns assessores americanos teriam admitido que não estavam seguros de suas conclusões. O embaixador Azevedo diz que os cálculos que Washington defende levariam o Brasil a excluir menos da metade do que o texto industrial está propondo, ou seja, menos de 7% das linhas tarifárias.

Isso porque os países industrializados tentam forçar os do Mercosul a assumir compromisso como parte de uma união aduaneira, mas querem que calculem de forma isolada o valor de comércio para aplicar a proteção para suas indústrias. Significa que a margem de manobra para cada país, com setores diferentes para proteger, diminui bastante.

Se o Brasil designar papel de impressora como linha tarifária a proteger, mas a Argentina, Uruguai e Paraguai não escolherem esse produto e já tiverem esgotado sua margem de exceções, é o corte geral na Tarifa Externa Comum (TEC) que vai predominar - ou seja, o corte maior. "O que querem do Mercosul é completamente assimétrico, desproporcional e não aceitaremos essa discriminação", avisou o representante brasileiro.

Para negociadores brasileiros, os EUA e a UE querem de fato é arrancar moeda de troca na área industrial, como acordos setoriais (acelerar a liberalização em determinados setores, como químicos ou equipamentos). Para o Brasil e a Argentina, porém, os ganhos na área agrícola, como redução de subsídios e de tarifas, já estão ocorrendo na atual crise alimentar. E não vêem por que, nesse cenário, pagar mais na área industrial.

Já na negociação agrícola, o Brasil quer pressionar para o texto de compromisso não perder a ambição liberalizante. Considera que, como está escrito, o documento abre exceção em cada parágrafo para atender aos mais diferentes interesses protecionistas. Na semana passada, depois de ter divulgado seu texto de compromisso, o mediador industrial foi indagado se estava confiante, otimista ou esperançoso sobre a Rodada Doha. "Estou desesperado", respondeu. Nesta semana, ele poderá ter mais razões para esse estado de espírito.