Título: Nossa Caixa pode mudar relação de forças
Autor: Carvalho , Maria ; Fregoni ,Silvia
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2008, Finanças, p. C6

Não poder disputar a compra de um banco que pode realmente fazer diferença na briga de mercado é o principal motivo de frustração e crítica dos grandes bancos de varejo à investida do Banco do Brasil (BB) sobre a Nossa Caixa. "A Nossa Caixa tem um grande valor estratégico, ela pode ser um divisor importante na disputa de mercado", disse um alto executivo de um dos maiores bancos de varejo do mercado. Com ativos totais de R$ 51,4 bilhões, carteira de crédito de R$ 9,7 bilhões, 5,7 milhões de clientes e uma rede de 950 agências e postos de atendimento quase que totalmente concentrada no Estado mais rico da União, São Paulo, a Nossa Caixa pode mesmo mudar a relação de forças do mercado brasileiro, que ficou meio "embolado" após a compra do Real pelo Santander.

Não é por outro motivo que, na sexta-feira, o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, fez coro às críticas que o presidente do Banco Itaú, Roberto Setubal, já havia feito, quinta-feira, ao anúncio de que o BB estava em negociação direta para comprar o controle da Nossa Caixa. Os banqueiros defendem a venda do banco controlado pelo governo paulista em leilão, do qual todos possam participar.

"O leilão traz as coisas às claras, como o preço correto, que seria formado a partir da concorrência entre os interessados. As regras de mercado devem prevalecer, com a realização de uma licitação pública. Seria mais legítimo", disse Brandão em nota divulgada pelo Bradesco sexta-feira. O Bradesco declarou-se interessado na Nossa Caixa, assim como o Itaú. "O Banco do Brasil é um candidato forte, mas não se pode eliminar o direito à concorrência. Sem dúvida, interessa ao Bradesco participar do processo. Isso é inegável", disse Brandão na nota.

O vice-presidente de varejo do Unibanco, Márcio Schettini, disse que a instituição teria "muito interesse" em participar de um eventual leilão da Nossa Caixa. Segundo ele, há interesse mesmo diante do fato de que os depósitos judiciais não possam ser transferidos automaticamente para uma instituição privada. O executivo afirmou que o principal ativo da Nossa Caixa é a estrutura de distribuição. "Estimamos que a banco aumentaria em pelo menos 40% a nossa presença no Estado de São Paulo." Segundo Schettini, a compra da Nossa Caixa casaria perfeitamente com os planos de expansão divulgados pelo Unibanco para este e os próximos anos.

A instituição comandada por Pedro Moreira Salles planeja abrir 120 agências em 2008, mais do que o dobro da média dos últimos anos, que é de 50 unidades. Para 2009, a meta é abrir mais 120. No final do ano passado, o banco tinha 1.270 pontos de atendimento, sendo 980 agências. "O plano de expansão comercial consumirá metade dos investimentos de R$ 600 milhões previstos pelo Unibanco para este ano", afirmou.

Outro ativo de grande importância na Nossa Caixa, de acordo com ele, é o direito de explorar as contas dos funcionários públicos do Estado. São clientes que possuem poder aquisitivo superior ao da média da população e que têm estabilidade de emprego. Por isso, são potencialmente bons consumidores de produtos bancários. "Imaginávamos que o governo do Estado de São Paulo daria uma solução de mercado à Nossa Caixa, em continuidade ao processo de abertura de capital da companhia", disse ele, referindo-se à expectativa de realização de um leilão para a venda do banco. A carteira de clientes da Nossa Caixa inclui 1,1 milhão de funcionários públicos da ativa e aposentados do Estado de São Paulo, que estão entre os de maior renda no país.

Os cerca de R$ 12 bilhões de depósitos judiciais na Nossa Caixa também interessam aos bancos: são recursos relativamente estáveis e que custam o mesmo que a poupança, TR mais 6% ao ano. E, ao contrário do que o presidente do BB, Lima Neto, disse, não seriam automaticamente transferidos para um banco público caso a Nossa Caixa fosse adquirida por uma instituição privada.

No processo de privatização, há vários casos de venda de banco públicos para o setor privado com transferência dos depósitos judiciais, ao menos por algum tempo. Foi o que aconteceu com o Banespa. Foram vendidos com os depósitos judiciais os bancos Banerj e Bemge, adquiridos pelo Itaú, e o Baneb e Banco do Estado do Amazonas, que passaram para as mãos do Bradesco. Como lembrou outro executivo de banco, os depósitos judiciais não são os únicos fatores considerados no preço, que leva em conta também a clientela, a sinergia, a rede de distribuição e até o corpo funcional do alvo da compra. Para ele, só um leilão aberto definiria o preço mais justo. O executivo estranhou o fato de ter partido do BB a afirmação de que os depósitos judiciais não ficariam com um comprador privado. "O vendedor está excluindo de antemão potenciais compradores de um ativo que não é dele, é do Poder Judiciário, que define onde quer deixar seus depósitos."

Não é a primeira vez que os bancos privados e BB se chocam de frente. As folhas de pagamento de funcionários públicos têm sido um dos principais pontos de atrito. No ano passado, o Bradesco venceu licitação para administrar o pagamento dos funcionários públicos de Santa Catarina, mas o BB conseguiu com liminar suspender a licitação. O dinheiro não chegou a ser pago. Outro caso envolveu, novamente, o Bradesco, que venceu licitação para pagamento da conta de salário dos funcionários da prefeitura de Salvador. O BB questionou a licitação e ofereceu preço maior, mas a prefeitura não acatou a reclamação, até porque já havia recebido o pagamento. O BB entrou entrou na Justiça e o Bradesco reagiu na mesma esfera.