Título: Abaixo do CDI
Autor: Cotias , Adriana ; Fregoni , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2008, EU & Investimentos, p. D1

A possível incorporação da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil (BB) acrescenta um ingrediente à concorrência bancária, um dos fatores que têm emperrado as ações do setor. O grau de investimento, que prometia tirar os papéis dos bancos do purgatório, deu contribuição limitada aos principais ativos do setor que já foi uma das constelações da Bovespa. Com a aproximação BB-Nossa Caixa, o segmento todo fica em evidência - até porque Itaú, Bradesco e Unibanco também manifestaram interesse no banco paulista -, mas há muitos senões sobre o futuro das ações.

Não bastasse o acirramento da competição pelo fortalecimento dos bancos médios com ofertas de ações, a crise das hipotecas de risco americanas também fez estragos. Mesmo sem terem exposição aos títulos, houve um contágio setorial que atingiu os bancos brasileiros. De quebra, o enxugamento da liquidez externa provocou um aumento dos custos de captação, não repassados integralmente ao crédito. O maior poder intervencionista do governo, pela via fiscal e da regulamentação, foi outro fator que deixou os investidores com um pé atrás. Apesar dos bons resultados trimestrais, o fantasma de nova elevação de compulsórios ronda agora os papéis.

Desde o dia 29, quando a Standard & Poor's elevou a nota brasileira, os quatro maiores bancos em valor de mercado subiram menos que o Ibovespa, com destaque para as ordinárias (ON, com voto) do BB, com alta de 8,3%, ante 12% do índice, seguidas pelas preferenciais (PN, sem voto) de Bradesco (+6,0%) e Itaú (+4,8%) e as units (recibos) do Unibanco (+5,9%).

No ano, mesmo com a ressalva da concentração das commodities no índice, as ações têm desempenho decepcionante: queda de 5,4% para BB e de 3,0% para Unibanco e altas de 2,9% para Itaú e 1,6% para Bradesco, em comparação aos 4,1% do CDI, a principal referência da renda fixa e que não requer disposições para risco.

Entre os menores, Nossa Caixa ON dá um banho, com alta de 55%, como reflexo das conversas com o BB. A transação mexe potencialmente com a configuração do setor, diz o chefe de análise da Bradesco Corretora, Carlos Firetti. "Se a Nossa Caixa fosse privatizada, haveria disputa, que poderia fazer diferença no posicionamento dos outros bancos." Isso não quer dizer que os tempos gloriosos para os bancões na bolsa acabaram. A grande maioria das casas de análise recomenda as ações, mas a percepção é de que as valorizações em bloco não serão tão corriqueiras.

"Com o grau de investimento, havia a sensação de que os bancos seriam catapultados, pois já tinham uma avaliação de risco melhor do que a do país, mas, olhando com lupa os balanços, o que se observa é que os lucros já não são tão brilhantes e a tendência é essa", diz o economista da consultoria Lopes Filho, João Salles.

Conforme exemplifica, o Itaú, que já foi campeão de rentabilidade, com um retorno sobre o patrimônio líquido na casa dos 40% lá em 2005, agora exibe 28%. O Bradesco reduziu a remuneração de 35% para 26%, enquanto o Unibanco está nos mesmos 24% do primeiro trimestre de 2005 e 2006. Nesse intervalo, só o BB melhorou, mas, em 12 meses, a rentabilidade também caiu, de 30,7% para 27,6%, desconsiderando-se efeitos não-recorrentes, como a venda da participação na Visa Internacional.

"No caso do BB, o mercado sabe que não passa disso, pois o banco tem a restrição do agrobusiness, que representa um terço da carteira e tem o spread (a diferença entre a captação e o que é cobrado) mais estreito" diz Salles. "Quando se olha para os spreads de pessoa física, jurídica e do agronegócio, eles caem em todas as linhas na comparação anual." É um sintoma da concorrência.

Com a compra das operações do ABN Amro Real pelo Santander, um competidor estrangeiro de peso se fortaleceu no mercado brasileiro. Do lado dos pequenos, especializados em nichos como o consignado, a capitalização trazida pelas ofertas públicas de ações permitiu que essas instituições enfrentassem os grandes em condições mais eqüitativas. "Nesse ambiente, ficou mais difícil repassar o aumento dos custos de captação e, para fidelizar clientes, as instituições não corrigiram nem a inflação", completa Salles. O spread do sistema financeiro estava em 25,5% ao fim de março, muito longe dos 30% de dois anos atrás.

Entre os grandes, Salles prefere Bradesco PN (alvo de R$ 54), pela diversificação, tendo na seguradora a sua jóia da coroa. "A empresa é rentável e funciona como um amortecedor contra crises ou cenários mais cíclicos." A compra do BMC também posicionou o banco de maneira enfática no crédito consignado, segmento em que o Itaú ainda não conseguiu decolar.

O grau de investimento não tinha mesmo que mexer com as ações bancárias, pois o selo já estava nos preços, segundo Mario Pierry, do Deutsche Bank. "O rating é apenas um certificado, que foi concedido depois de a economia brasileira ter melhorado e os papéis já se valorizado." O crescimento econômico e o aumento do emprego e da renda nos últimos anos levaram à forte expansão do crédito e, conseqüentemente, dos lucros, puxando os papéis.

Uma prova de que o setor está valorizado é que a relação preço sobre valor patrimonial da ação (P/VPA) está bem mais alta que a dos estrangeiros, diz o gerente de análise da Modal Asset, Eduardo Roche. Conforme calcula, o Itaú tem o maior índice entre os grandes, de 4 vezes, seguido de perto pelo Bradesco (3,6 vezes). Banco do Brasil e Unibanco têm esse múltiplo em 2,7 vezes, enquanto muitos bancos internacionais vêm sendo negociados a um preço abaixo de 2 vezes. "É lógico que as ações dos estrangeiros caíram muito por conta da crise do subprime, mas não dá para negar que a diferença com os nacionais é grande", afirma. O patrimônio dos estrangeiros também foi afetado pelas baixas com títulos lastreados em hipotecas.

O grau de investimento deverá significar para o Brasil maior fluxo de investimento estrangeiro, economia sustentável e aumento do crédito, mas esses benefícios só devem ser observados no longo prazo, porque o que está em curso é um ciclo de aumento de juros no país. "A tendência é que isso desacelere o ritmo de expansão dos empréstimos", avalia Pierry, do Deutsche Bank. Com essa visão menos otimista, ele rebaixou as ações do Itaú, de compra para manutenção, logo após a promoção brasileira, iniciativa idêntica à tomada com Bradesco pouco antes. Ele sugere Banco do Brasil e Unibanco, mais baratos.

A alta dos juros deve ter impacto de forma direta no crédito, ao tornar os empréstimos mais caros, e de maneira indireta, ao diminuir o ritmo de crescimento econômico, diz Bruno Rocha, da Tendências Consultoria. Sua previsão é que, ao longo do ano, a Selic suba mais 2,5 pontos percentuais. Na avaliação de Roche, da Modal, ainda não é possível saber se os ganhos dos bancos com títulos públicos compensarão um menor ritmo no crédito.

No primeiro trimestre, o crédito no sistema cresceu 30,5%, para R$ 560 bilhões, apesar do cenário mais restritivo para o setor, diz Aloísio Lemos, da Ágora , referindo-se ao aumento das alíquotas de CSLL, IOF e dos compulsórios de leasing. "Diminui um pouco o ritmo, mas não a rota." Ele estima que, no ano, as operações crescerão 20%. "A habitação representa hoje só 5% do total e, com a maior escala, talvez as instituições possam ceder em preço." O especialista recomenda Unibanco (alvo de R$ 30,61) e Itaú (R$ 55,64).