Título: Normas extravagantes da segurança bancária
Autor: Ribeiro , Johan Albino
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Desde o início da década de 1920, com o estabelecimento de uma regulamentação específica para as instituições financeiras, há no Brasil o reconhecimento de que a atividade bancária, por sua especificidade, distingue -se dos demais ramos da economia. Por esta razão, todas as Constituições do país - 1934, 1937, 1946, 1967/69 e 1988 - trazem disposições centralizando na União Federal a fiscalização e a regulamentação do Sistema Financeiro.

Em que pese a histórica e constitucional convergência da matéria bancária na órbita Federal, inclusive com a exigência de sua regulamentação por lei complementar, as instituições financeiras, a partir das duas últimas décadas, passaram a ser alvo de massivas iniciativas dos poderes legislativos municipais e estaduais, os quais, com o estabelecimento de exigências descabidas nos seus respectivos planos de atuação, vêm deixando evidente uma verdadeira perseguição à atividade de intermediação financeira.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já identificou mais 1.300 leis que afetam de forma inadequada ou exclusivamente a atividade bancária. Contra as mencionadas leis a Febraban e os bancos já ajuizaram mais de 500 ações, que tramitam nos diversos níveis do Judiciário, com uma diversidade de entendimentos nas decisões e acórdãos, que paulatinamente vão se afunilando nos tribunais superiores, sempre com a dedicação de enormes esforços de acompanhamento.

Grande parte desta legislação gravita em torno de temas relacionados com a segurança bancária, com total desprezo à Lei Federal nº 7.102, de 20 de junho de 1983, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, cujo artigo primeiro crava induvidosamente a competência do Ministério da Justiça, leia-se Polícia Federal, para disciplinar o assunto: "É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei" - redação dada pela Lei 9.017, de 1995.

Com base neste preceito, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo Pinho, ajuizou no início de março ação direta de inconstitucionalidade contra lei do município de São Paulo que proíbe a instalação de portas de segurança nas agências bancárias. Segundo o Ministério Público de São Paulo, o município não pode legislar sobre o assunto, que é de competência da União. Liminar suspendendo a aplicação da lei já foi concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

-------------------------------------------------------------------------------- Como a tramitação de lei nos municípios é simplificada, as regras sobre segurança bancária se multiplicam --------------------------------------------------------------------------------

Já em sentido contrário, no início do mês de abril, o prefeito de Porto Alegre sancionou lei municipal obrigando as agências bancárias a se equiparem com vidros blindados em suas fachadas. A lei fora aprovada por 24 dos 25 vereadores da cidade, o que deixaria o alcaide em situação difícil, no caso de veto. O que não se sabe é o que a Lei pretende evitar, pois nunca existiu qualquer caso de entrada de assaltantes nos bancos, mediante arrombamento das vidraças. Mesmo no imaginário criativo dos diretores de cinema, a hipótese raramente é cogitada, posto que qualquer pessoa dotada do mínimo senso de razoabilidade sabe que um assalto a banco se faz com o menor alarido possível.

Também em Porto Alegre uma lei municipal obriga que as portas de segurança sejam instaladas na primeira entrada das agências, ou seja, já no passeio público, o que implica na formação de filas do lado de fora da agência, ao relento, com grave desconforto para os usuários, especialmente idosos. Aqui também não se sabe o que o legislador pretendia, com certeza não seria o aumento nas vendas de guarda-chuvas.

É possível se afirmar que a origem dessas leis municipais, via de regra, é sindical, como indicado nos sites de inúmeros sindicatos. Como a tramitação de uma lei local é, na maioria dos municípios, muito simplificada as regras sobre segurança bancária surgem e se multiplicam com grande facilidade. Não é incomum o fato de que o mesmo texto, com os mesmos erros de gramática, esteja presente em leis sobre portas de segurança, instalação de biombos e vigilantes. Municípios de todos os portes e com os mais diversos índices de criminalidade têm projetos e leis com os mesmos matizes.

Justamente por serem geradas a partir de uma base não-técnica, as disposições sobre segurança bancária em muitos casos acabam sendo conflitantes, como no exemplo de Porto Alegre, que exige a porta com detector de metais e também a blindagem; ora, uma porta com vidros blindados exige uma armação de aço muito mais reforçada, que interferirá no detector de metais. Ou seja, a porta evita o arrombamento, mas não a entrada com arma de fogo.

De tudo isso decorre uma simples conclusão; fosse observada a competência da União, por meio da Polícia Federal, todos os usuários de bancos, de qualquer lugar do país, teriam a proteção adequada e poderíamos pensar em usar de forma mais útil e racional os R$ 40 bilhões (unidade de medida de uma CPMF), que se estima, por baixo, seja o valor total que os setores públicos e privados gastam anualmente com segurança.

Johan Albino Ribeiro é advogado em São Paulo e membro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional

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