Título: Para anelistas, IGPs estão em desuso
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Brasil, p. A3

A família dos IGPs, os índices de inflação híbridos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comandada pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) pode estar caminhando para o desuso, na avaliação de analistas ouvidos pelo Valor, por já não refletir adequadamente o comportamento dos preços no país e deixando de ser, por conseqüência, um indexador adequado para contratos e títulos financeiros. O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), um dos membros da "família" que tem também o Índice Geral de Preços-10 (IGP-10), registrou na sua segunda prévia de maio alta de preços de 1,54% em apenas 20 dias, sob pressão dos preços agrícolas e industriais no atacado.

O comportamento do indicador sinaliza uma clara tendência de alta para a inflação, mas está longe de indicar que os preços estão a caminho do descontrole, como pode sugerir a quadruplicação do IGP-M em relação à segunda prévia de abril (0,37%). Uma comparação entre o IGP-DI e os índices de preços ao consumidor (IPCs), inclusive o IPC da FGV, de 2001 até abril deste ano, mostra que há uma grande distância entre eles. Enquanto o IGP-DI subiu 97,14% no período, o IPC da FGV variou 60,39% e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA) do IBGE, a inflação oficial do país, acumulou alta de 65,63%.

Essa diferença decorre do fato de o IGP ser formado por três índices diversos, com peso maior, 60%, para o Índice de Preços por Atacado (IPA). O IPC responde por 30% e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), por 10%. Essa composição, criada em 1947, tem o objetivo de expressar como se comportam em conjunto os preços coletados em cada compartimento da economia.

Para o economista Luiz Roberto Ponte, especialista em inflação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e um dos maiores críticos históricos dos IGPs e que agora prefere não retomar a polêmica, o índice híbrido está na contramão dos demais países e junta coisas muito diferentes. "Os preços administrados, por exemplo, têm uma parcela grande nos IPCs, mas acabam diluídos nos IGPs pela fraca presença no atacado", aponta. Os serviços, que só aparecem no varejo, também se diluem no indicador composto por 60% de preços no atacado.

Para Cunha, as diferenças de estrutura dos índices justificam em grande parte as variações dos números. Mas ele entende que, embora já não seja verdade a antiga afirmação de que os IPCs ficavam "grávidos" dos IGPs, significando que um representava a variação futura do outro, a alta do IGP segue sinalizando preços mais altos para o consumidor no futuro.

"É claro que um IGP muito acima (da média dos índices) contamina as expectativas, é ruim para as expectativas. É uma inflação latente." O problema é que, como admite o economista, o IGP-M é ainda um importante indexador de contratos e títulos públicos. Os aluguéis e as contas de energia elétrica estão entre os mais importantes contratos indexados pelo indicador.

O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, concorda que a presença dos IGPs nos contratos é forte, mas argumenta que ela já foi maior. Ele lembra que dos preços administrados, só resta praticamente a energia elétrica indexada a eles, embora o governo os tenha utilizado na maioria dos contratos de concessão quando privatizou os serviços públicos. "No mercado financeiro, os contratos indexados ao IPCA são cada vez mais importantes."

Para Salomon, os IGPs vêm de uma época em que "provavelmente", eles tinham uma boa representação da economia brasileira. Ele entende que essa "mescla" de atacado com o varejo e o custo da construção "não representa bem a inflação". Ele concorda que a contaminação do varejo pelo atacado hoje é bem menor do que no passado, mas ressalta que em ambiente de aceleração da demanda doméstica os repasses são mais velozes. "A política monetária está sendo apertada justamente para conter isso", arremata.

A economista Marcela Prada, analista da consultoria Tendências, também avalia que a importância maior dos IGPs hoje está na indexação de contratos. "Se você migrar os contratos (para outro tipo de indexador) os tornaria desnecessários", afirma. Para ela, o Brasil poderia ficar apenas com os preços no atacado e os do varejo, como é a prática na maioria dos países. Marcela destaca que os preços no atacado são muito influenciados pelo câmbio e pelos preços internacionais, o que já não ocorre com a mesma intensidade no varejo, não se justificando juntar as duas partes em um mesmo indicador.

O IPA é a versão brasileira do que nos países ricos é o Índice de Preços ao Produtor (IPP). No começo da atual década, o Fundo Monetário Internacional (FMI), propôs ao IBGE a criação de um índice de preços ao produtor, começando pelo industrial, para que ele pudesse ser harmonizado com as estatísticas que compila de outros países.

Segundo Sílvio Sales, coordenador de Indústria do IBGE, o objetivo é ter um indicador que colete o mais fielmente possível o preço dos produtos na porta da fábrica, entendendo-se que o preço no atacado já carrega custos adicionais, como o de transporte e até a margem do atacadista. Por carência de recursos e de pessoal, o IBGE vem trabalhando no projeto em ritmo mais lento do que o desejado, mas Sales promete o índice pronto para uso interno (nas contas nacionais) a partir de 2009 e para divulgação, em 2010. O projeto tem a assistência da equipe técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI) que já veio três vezes ao Brasil discutir com os técnicos do IBGE o andamento dos trabalhos.

Uma comparação feita pelo Valor entre os índices de preços ao produtor e ao consumidor dos Estados Unidos, da zona do Euro e do Japão mostrou que há muito mais proximidade na relação entre os indicadores lá de fora. De 2001 a 2007, o IPP dos Estados Unidos acumulou 22% de alta, ante 20,5% nos preços ao consumidor. Na Zona do Euro, a relação foi de 19,6% para 16,5%. E no Japão, saindo de recessão persistente, os preços ao produtor subiram 3,8% e no varejo, caíram 2,2%.