Título: Lula critica empresários e oposição por fim da CPMF
Autor: Grabois , Ana Paula ; Caio , Junqueira
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Política, p. A7

Lula com Cabral: "Se alguém souber de um produto que caiu de preço porque os empresários retiraram do preço a CPMF de 0,38% me diga que vai merecer um prêmio" Nos eventos públicos que participou ontem no Rio e em Diadema (ABC paulista), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a derrubada da CPMF pelo Senado em dezembro do ano passado e atacou tanto os senadores da oposição por não terem aprovado a prorrogação do tributo quanto os empresários por não terem diminuído o preço dos produtos em razão do fim da contribuição.

"Em dezembro tivemos uma derrota no Senado. Embora tivéssemos maioria, assistimos aos senadores da oposição não deixarem passar a CPMF porque nós tinhamos lançado um programa chamado PAC da Saúde, onde iríamos investir mais R$ 24 bilhões para melhorar a saúde. Isso está parado, mas nós somos teimosos e vamos aos poucos colocar em prática o PAC da Saúde", disse em Diadema, durante inauguração de um complexo de saúde. Horas antes, na capital fluminense, durante a abertura da 20ª edição do Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o presidente já havia lamentado o fim da contribuição. Não culpou a oposição, mas mencionou a classe empresarial como beneficiária do fim do tributo.

"Eu não vi nenhum produto reduzir de preço depois que acabou a CPMF. Parece que não foi passado para o custo do produto o 0,38%. Parece que aumentou o ganho daqueles que pagavam a CPMF", disse. Em Diadema, os empresários também foram lembrados com ironia. "De vez em quando eu agradeço até da nossa oposição ter reprovado a CPMF. A verdade é que nenhum empresário reduziu o custo dos produtos que ele vende por conta da CPMF. Se alguém souber de um produto que caiu de preço porque os empresários retiraram do preço o 0,38% me diga que vai merecer um prêmio. O dado concreto é que apenas fomos truncados para não fazer tudo o que a gente quer fazer no país."

A luta de classes também foi um tema constante nos discursos que Lula fez nas duas cidades. No Rio, ao defender a CPMF, ele argumentou que o Estado precisa atender as parcelas mais pobres da população. "No fundo, no fundo, são esses que precisam do governo",

Em Diadema, O tema foi introduzido com dados estatísticos. De acordo com o presidente, 90% da população da cidade integravam as classes C, D e E, enquanto apenas 10% eram das classes A e B. E comparou o complexo de saúde que inaugurava com hospitais particulares paulistanos. "Aqui vocês terão atendimento de primeira, daqueles que até agora só rico tem direito, daqueles que só meia dúzia tem direito, de ir no Alberto Einstein, no Sírio-Libanês, no Instituto do Coração (hospitais particulares paulistanos). Agora Diadema não faz distinção de classe nem divide as pessoas entre ricos e pobres".

No Rio, sem citar o Bolsa Família, fez uma ampla defesa dos gastos públicos na área social em resposta às críticas de diversos economistas ortodoxos sobre o atual nível do gasto público no país. Sem citar o Bolsa-Família, principal programa de transferência de renda de seu governo, o presidente disse que a divisão da riqueza econômica do país para todos "é um traço essencialmente novo" e "que não vale governar se não for para reduzir a pobreza e as desigualdades" e defendeu a presença do Estado para diminuir problemas como a violência e o criminalidade. "Não tem saída colocando mais policial na rua. A saída é a presença do Estado oferecendo oportunidade, cultura, lazer, emprego, renda, saúde, educação."

Para o presidente, a inflação não pode ser vista como um assunto de responsabilidade apenas do governo. "Na verdade, todos nós temos um pouco de responsabilidade, sabemos onde ela está, sabemos como ela vem. E portanto, a responsabilidade é de todos nós para a inflação não voltar mais ao Brasil porque quem perde com isso são os pobres desse país", afirmou.

O presidente brincou com o governador do Rio, Sérgio Cabral, e com o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, organizador do fórum, ao dizer que eles não precisam do Estado porque "são contribuintes fortes com o pouco salário que ganham do Imposto de Renda". Lula aproveitou para pedir ao Congresso que aprove ainda este ano a emenda de reforma tributária proposta pelo Executivo.

Ao iniciar seu discurso, Lula defendeu o BNDES. Funcionários do banco são suspeitos de participação em um esquema de desvio de recursos emprestados a prefeituras investigado pela Polícia Federal, que já indiciou o deputado federal pedetista e ex-presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. "É bem possível que numa instituição do tamanho do BNDES possa ter uma ou outra pessoa que cometa desvios e, portanto, tenha que pagar o preço do desvio cometido. Mas é bem verdade também que poucos países do mundo conseguiram criar uma instituição de financiada tão sólida como é o nosso querido BNDES", disse o presidente, que ainda chamou o banco de centro de excelência.

Lula também respondeu ao jornal "The New York Times", que indagou quem seria o dono da floresta amazônica, e à notícia veiculada ontem na mídia de que um consultor do primeiro-ministro inglês Gordon Brown teria avaliado a compra de toda a floresta por US$ 50 bilhões. "O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono e o dono da Amazônia é o povo brasileiro, são os índios, os seringueiros, os pescadores, mas também somos nós, que somos brasileiros e que temos consciência que é preciso diminuir o desmatamento sim, as queimadas, mas também temos consciência que precisamos desenvolver a Amazônia", disse. Em outro evento da Petrobras em Niterói, Lula voltou a afirmar que a estatal não deve ser apenas uma grande empresa de petróleo, mas um motor para o desenvolvimento do país. "A visão não pode ser apenas a do curto prazo. É preciso ter consciência de que uma empresa como a Petrobras não pode existir apenas para ser a sexta maior do mundo e a terceira das Américas. Ela existe também para ser alavancadora do desenvolvimento deste país, a geradora de oportunidade para outros setores da sociedade", frisou Lula, que defendeu ainda a fixação de um percentual de equipamentos e serviços nacionais nas encomendas de navios da Petrobras, assim como já ocorre nas licitações das plataformas da empresa. (Colaborou Rafael Rosas, do Valor Online)