Título: Plano para agricultores pobres
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Opinião, p. A14

Muitos países pobres importadores de alimentos em todo o mundo ficaram desesperados, nos últimos meses, quando os preços mundiais do arroz, trigo e milho dobraram. Centenas de milhões de pessoas pobres, que já gastam uma grande proporção de seu orçamento diário com alimentação, estão sendo colocados em situação limite. São crescentes os distúrbios devido ao encarecimento dos alimentos.

Mas muitos países pobres podem, eles próprios, cultivar mais alimentos, porque seus agricultores estão hoje produzindo muito menos do que é tecnologicamente possível. Em alguns casos, com apropriada ação governamental, eles poderiam duplicar ou mesmo triplicar a produção alimentícia em apenas alguns anos.

A idéia básica é bem conhecida. A agricultura tradicional emprega poucos insumos e obtém safras insatisfatórias. Os camponeses pobres usam suas próprias sementes da estação anterior, não dispõem de fertilizantes, dependem de chuvas em vez de irrigação e empregam escassos, se algum, recursos mecanizados - além das tradicionais enxadas. Suas propriedades agrícolas são pequenas, geralmente de um hectare (2,5 acres) ou menos.

Em condições agrícolas tradicionais, as colheitas de grãos - arroz, trigo, milho, sorgo ou milhete - são em geral de aproximadamente uma tonelada por hectare, para uma safra por ano. Para uma família de agricultores de cinco ou seis pessoas vivendo em um hectare de terra isso implica pobreza extrema, e para o país significa dependência de dispendiosas importações de alimentos.

A solução é incrementar o rendimento das colheitas de grãos para ao menos duas toneladas - e em alguns lugares para três ou mais toneladas - por hectare. Se a água puder ser administrada por meio de irrigação, isso poderia ser combinado com diversas safras por ano para produzir uma colheita durante a estação seca. Colheitas maiores e mais freqüentes implicam menos pobreza para as famílias de agricultores e alimentos mais baratos para as cidades.

A chave para incrementar as safras é assegurar que até mesmo os agricultores mais pobres tenham acesso a variedades melhoradas de sementes (usualmente sementes "híbridas" criadas por seleção científica de variedades de sementes), fertilizantes químicos, matéria orgânica para repor os nutrientes na terra, e, onde possível, métodos de irrigação em pequena escala, por exemplo, usando uma bomba para puxar água de um poço nas vizinhanças. Nada há de mágico nessa combinação. Essa é a chave do crescimento mundial na produção alimentícia desde a década de 1960.

O problema é que esses insumos aperfeiçoados não chegaram aos agricultores mais pobres e aos países mais pobres. Quando os camponeses não têm contas de poupança e garantias creditícias a oferecer, ficam impossibilitados de tomar empréstimos de bancos para comprar sementes, fertilizantes e equipamentos para irrigação. Em conseqüência, eles cultivam alimentos da maneira tradicional, com freqüência ganhando pouco ou nada com suas colheitas, porque as safras sequer são suficientes para manter vivas suas famílias.

-------------------------------------------------------------------------------- FMI e o Banco Mundial obrigaram os países pobres a desmantelarem seu sistema de subsídios, acarretando no erro profundo de passar ao mercado --------------------------------------------------------------------------------

A história evidenciou a necessidade de ações governamentais para ajudar os agricultores mais pobres a escapar da armadilha de pobreza resultante dos baixos rendimentos. Se for possível ajudá-los a terem acesso a tecnologias simples, as rendas poderão crescer e eles poderão acumular saldos bancários e garantias de crédito. Com um pouco de ajuda temporária, num prazo em torno de cinco anos os agricultores podem acumular riqueza suficiente para obter insumos no próprio mercado, seja através de compras diretas usando sua poupança, ou por meio de empréstimos bancários.

No passado, em todo o mundo, bancos agrícolas estatais em países pobres não apenas financiavam insumos como também proporcionam assessoramento agrícola e disseminavam novas tecnologias de sementes. Evidentemente havia abusos, como alocação de crédito público a agricultores mais ricos em vez de beneficiar os necessitados, ou manutenção de subsídios à compra de insumos mesmo depois de os agricultores terem, eles próprios, boas condições de crédito. E, em muitos casos, os bancos agrícolas estatais foram à falência. Ainda assim, o financiamento de insumos desempenhou um papel enorme e positivo na oferta de ajuda para que os agricultores mais pobres escapassem à pobreza e à dependência de ajuda na forma de alimentos.

Durante a crise de endividamento das décadas de 1980 e 1990, o FMI e o Banco Mundial obrigaram dezenas de países pobres importadores de alimentos a desmantelar esses sistemas estatais. Aos agricultores pobres foi dito: "virem-se"; a opção adotada foi: que as "forças de mercado" encarreguem-se de prover os insumos. Esse foi um erro profundo - não existiam tais forças de mercado.

Os agricultores pobres perderam o acesso a fertilizantes e variedades aperfeiçoadas de sementes. Perderam acesso a financiamento bancário. O Banco Mundial, para seu crédito, admitiu no ano passado esse erro em devastadora avaliação interna de suas velhas políticas agrícolas.

Chegou o momento de restabelecer sistemas de financiamento público que permitam aos pequenos agricultores nos países mais pobres, especialmente os que cultivam dois hectares ou menos, ter acesso aos insumos necessários, como sementes de alto rendimento, fertilizantes e irrigação em pequena escala. O Malawi fez isso nas últimas três estações e assim dobrou sua produção de alimentos. Outros países de baixa renda deveriam fazer o mesmo.

É importante o fato de o Banco Mundial, sob seu novo presidente, Robert Zoellick, ter dado um passo adiante no sentido de ajudar a financiar essa nova abordagem. Se o Banco Mundial fizer doações a países pobres para ajudar camponeses pequenos agricultores a obterem acesso a insumos melhorados, então será possível a esses países incrementar a produção de alimentos em pouco tempo.

Os governos doadores, inclusive os países ricos em petróleo no Oriente Médio, deveriam ajudar a financiar os novos esforços do Banco Mundial. O mundo deveria estabelecer como objetivo prático dobrar a produção de grãos em regiões de baixa renda africanas e similares (como o Haiti) durante os próximo cinco anos. Esse é um objetivo atingível se o Banco Mundial, os governos doadores e os países pobres voltarem suas atenções para as urgentes necessidades dos agricultores mais pobres do mundo.

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra da Universidade Colúmbia. É também assessor especial do secretário-geral da ONU para as Metas de Desenvolvimento do Milênio.