Título: Bancos estatais devem ficar com recurso público, diz STF
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Finanças, p. C3

O ministro Sepúlveda Pertence, hoje aposentado, foi o relator do processo na época da privatização do BEC Numa decisão que, hoje, serve de precedente à venda da Nossa Caixa, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em setembro de 2005, que as contas dos Estados e de órgãos públicos devem permanecer em bancos estatais e que exceções a esta regra só podem ser aprovadas pelo Congresso Nacional, e não pelas assembléias legislativas dos Estados. Assim, a Assembléia de São Paulo não pode aprovar lei determinando a transferência das contas do Estado, hoje administradas pela Nossa Caixa, para bancos privados.

A decisão do STF foi tomada em 2005 por ocasião da privatização do Banco do Estado do Ceará (BEC) e valeu para o pagamento de fornecedores, a remuneração dos servidores públicos daquele Estado e a administração e custódia dos títulos públicos federais adquiridos pelo governo cearense para eventual recompra das operações de crédito. Na época, o PCdoB opôs-se à privatização do BEC e ingressou no STF com ação direta de inconstitucionalidade contestando a transferência da conta única do Estado para o adquirente do banco. Os ministros concluíram, por unanimidade, que o vencedor do leilão ficaria com o banco, mas enfrentaria um revés: não poderia levar a administração das contas do Estado.

O relator do processo foi o ministro Sepúlveda Pertence (hoje aposentado). Ele foi bem claro ao dizer que o dinheiro público deve ficar em bancos públicos, salvo exceções previstas em lei. "Uma coisa é arrematar o ativo da empresa, após processo de licitação da empresa pública ou da sociedade de economia mista. Outra coisa é açambarcar os depósitos das disponibilidades de caixa", diferenciou. Segundo Pertence, os Estados não teriam como aprovar leis estabelecendo essas exceções. Apenas lei federal poderia determiná-las.

O ministro também foi bastante severo ao afirmar que a transferência do monopólio das contas do governo do Estado fere o princípio da moralidade, pois resultaria, segundo ele, no "favorecimento indevido de instituições privadas" e violaria a exigência de licitação pública, prevista no artigo 37 da Constituição. "É inegável que a conta única é a real atrativa da alienação de bancos públicos, todavia, isso não pode servir de pretexto para que seja implementada."

O voto de Pertence foi seguido pelos outros ministros e, assim, o STF concluiu que apenas o Congresso pode aprovar lei determinando a transferência das contas dos Estados para bancos privados. Essa exigência está no parágrafo 3º do artigo 164 da Constituição Federal: "As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei".

Por outro lado, o STF ainda não definiu como fica a gestão de depósitos judiciais: se deve ser mantida em bancos oficiais, ou se pode ser revertida para instituição financeira privada após leilão. O tribunal terá de julgar ações diretas de inconstitucionalidade propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil contestando normas aprovadas nas assembléias legislativas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que determinavam o repasse na administração destes depósitos em leilões. Em outros Estados, como São Paulo e Rio, este repasse é feito pelos próprios Tribunais de Justiça para bancos públicos e envolve discussões éticas. Alguns TJs remetem bilhões de reais em depósitos para bancos públicos que financiam obras nas sedes administrativas dos tribunais.