Título: Reflexões sobre o código brasileiro de meio ambiente
Autor: Spadotto , Rafael De Castro
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Há alguns anos, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que consolida praticamente toda a legislação ambiental brasileira. Um fato como este, merece atenção, eis que, indubitavelmente, o Brasil, ao longo de sua história, regulamentou uma série de situações relacionadas com o tema, normas estas comumente conhecidas como de comando e controle.

É importante frisar que esta regulação foi devidamente recepcionada pela atual Constituição Federal, que, em seu artigo 225, garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Por meio deste projeto, estão previstas a consolidação, em um único instrumento, da Política Nacional do Meio Ambiente - que engloba basicamente o conteúdo da Lei nº 6.938, de 1981, da Lei nº 7.797, de 1989, da Lei nº 9.795, de 1999, que regulam, respectivamente, a Política Nacional do Meio Ambiente, o Fundo Nacional do Meio Ambiente e a Política Nacional de Educação Ambiental -, além também do artigo 8º da Lei nº 9.960, de 2000, que dispõe sobre a Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA), e da Lei nº 10.165, também de 2000, que alterou a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, ao instituir a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

Já em um segundo momento, o referido código reúne diversos dispositivos acerca da proteção à flora, em especial o chamado Código Florestal, a lei que dispõe sobre a proibição do abate do açaizeiro em todo o território nacional, a lei que declara o pau-brasil árvore nacional e institui o dia do pau-brasil, bem como a lei que estabelece medidas para proteção das florestas existentes nas nascentes dos rios. Não obstante, preocupou-se também com um capítulo que trata da proteção à fauna, ao consolidar o conteúdo da Lei nº 5.197, de 1967, que dispõe sobre a proteção à fauna, e do Decreto nº 24.645, de 1934, que estabelece medidas de proteção aos animais. Também prevê um título destinado à proteção dos recursos aquáticos vivos, que reúne parte do conteúdo do decreto-lei sobre a proteção e o estímulo à pesca, da totalidade da Lei nº 7.643, de 1987, que proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, além da Lei nº 7.679, de 1988, que dispõe sobre a proteção da pesca de espécies em períodos de piracema.

Cumpre observar ainda, a parte que trata do gerenciamento costeiro, consubstanciado através da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Outro importante ponto refere-se às unidades de conservação, regulada através da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O código prevê ainda, um título que consolida os textos do Decreto-lei nº 1.413, de 1975, sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais, da Lei nº 6.803, de 1980, que traça as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, da Lei nº 8.723, de 1993, que dispõe sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores e dá outras providências, alterada pela Lei nº 10.203, de 2001, e da Lei nº 9.966, de 2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Enumerará, desta forma, as sanções penais e administrativas, tipificadas pela Lei nº 9.605, de 1998, popularmente, conhecida como lei dos crimes ambientais - além de um capítulo que trata das disposições transitórias e finais, como a relação dos decretos-leis, leis e partes destas que serão revogados em conseqüência da consolidação.

-------------------------------------------------------------------------------- O código deveria contemplar um capítulo sobre licenciamento ambiental, disciplinado hoje em resoluções --------------------------------------------------------------------------------

Por envolver temas relacionados ao mesmo tempo com o meio ambiente, com a agricultura e com a saúde pública, não foi incorporada à consolidação a Lei nº 7.802, de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Entretanto, o futuro código não está imune às críticas, principalmente pela defasagem existente entre os artigos 155 e 156 e respectivos parágrafos que tratam das florestas nacionais, reservas extrativistas e a atual lei de gestão de florestas públicas, recentemente aprovada pelo Poder Legislativo. A nosso ver, existem diversos pontos conflitantes, posto que excluem da referida proteção as empresas concessionárias em áreas destinadas ao manejo sustentável. Com efeito, a referida exclusão pode causar insegurança jurídica aos detentores da concessão aludida.

Entendemos, de igual forma, que o código deveria contemplar um capítulo referente ao licenciamento ambiental, haja vista que este tema, atualmente, está disciplinado em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), logo, também provoca insegurança jurídica. Por fim, é importante ressaltar que, mesmo diante destas incongruências, a existência de um código por si, aliada com a regulação do artigo 23 da Constituição Federal, é positiva, pois proporcionará tanto aos agentes públicos quanto aos privados uma melhor compreensão dos temas que afetam o meio ambiente, dada a atual dispersão em diversos diplomas legais.

É de se perceber, por derradeiro, que a palavra código possui muitos significados paralelos e aceitáveis: pode ser a globalidade ordenada que contenha o núcleo até a generalidade das regras jurídicas sobre dada matéria; também podem ser a seqüência de instruções que formam um programa, qualquer marcação numérica, alfanumérica ou um endereço especial, que identifique a peça enviada ou a lista ou qualquer outra variável, qualquer trecho de um programa executável, escrito em uma linguagem de programação etc.

Contudo, considerando que juridicamente a consolidação pode ser conceituada como a alteração dos textos existentes e sua união em um só texto, não há que se falar na existência de um código propriamente dito, mas sim desta segunda classificação, até porque um código possui uma rigidez que lhe é inerente, logo, por se tratar de uma matéria tão sensível à sociedade, é possível ocorrer uma inevitável desatualização em relação a ela.

Rafael De Castro Spadotto é advogado, sócio do escritório Martins e Spadotto Advocacia, consultor empresarial e professor universitário da Universidade Paulista

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