Título: Com 10 ministros, Lula visita um Haiti em crise política
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Brasil, p. A4

Nelson Jobim, ministro da Defesa, durante solenidade em Port-au-Prince: "A questão do Haiti é uma questão brasileira" O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje ao Haiti para uma visita de poucas horas, marcada por uma reunião de dez ministros brasileiros com um governo de demissionários, representados pelo primeiro-ministro Jacques Edouard Aléxis, que aguarda substituição há 40 dias. Em profunda crise política, o presidente René Préval não conseguiu aprovar, na semana passada, a indicação de Ericq Pierre como primeiro-ministro. O novo indicado, Robert Manuel, será submetido a voto no Parlamento na quinta-feira.

Estão previstas a assinatura de cinco convênios, três na área agrícola, mas o vazio de poder no Haiti freia as expectativas de investimentos brasileiros na área produtiva. A cúpula contará com a presença dos ministros das Minas e Energia, Edison Lobão, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, mas não há previsão de qualquer anúncio envolvendo a produção de etanol, por exemplo. Até a década de 80, antes de ter a economia desorganizada por uma sucessão de golpes militares e um bloqueio econômico da ONU, o Haiti era grande produtor de cana-de-açúcar.

Economicamente dependente dos EUA, o Haiti tem se beneficiado da ajuda financeira de países como Venezuela e Taiwan. A colaboração mais expressiva do Brasil está na área militar, onde as tropas brasileiras respondem por cerca de 1,1 mil dos 8 mil homens do efetivo militar da Minustah, a missão de paz da ONU no Haiti . A preocupação brasileira é manter a presença militar, mas associar o país ao desenvolvimento de políticas sociais e de promoção de direitos humanos. Daí a presença na comitiva do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, além de Edson Santos (Igualdade Racial), Nilcéia Freire (Políticas para as Mulheres), Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário).

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, viajou ainda ontem e sinalizou que a presença brasileira no Haiti deverá se prolongar além de 15 de outubro deste ano, prazo inicialmente previsto. Jobim anunciou ontem, ao chegar ao aeroporto de Port-au-Prince, que um batalhão de cem homens da Engenharia do Exército deverá ser incorporado à missão. "Não há previsão de retirada. A situação é instável. O Brasil tem que cumprir com suas responsabilidades e vamos sair quando pudermos sair. Se sairmos agora, as gangues retornam imediatamente. A questão do Haiti é uma questão brasileira."

Presente no Haiti desde junho de 2004, quatro meses depois da queda do então presidente Jean Bertrand Aristide, a força da ONU está longe de ser consenso no país. Os aliados do ex-presidente pedem a sua retirada. E a deterioração da situação econômica faz com que a Minustah se envolva na repressão a mobilizações que terminam por atingir o governo, como ocorreu nos protestos populares da primeira semana de abril.

Protestando contra a alta de preços dos alimentos, manifestantes tentaram invadir a sede do governo e foram rechaçados pelos soldados da ONU. Nos diversos conflitos pela cidade, houve cinco mortos. Os protestos foram a razão direta para a queda do gabinete .

Jobim presidiu ontem cerimônia de distribuição de alimentos doados pelo Brasil, organizada por associações comunitárias de Cité Soleil, uma das maiores favelas de Port-au-Prince. "Fizemos essa parceria para revestir esse processo com mais dignidade", disse o coronel Paul Cruz, que comandava a operação em que soldados brasileiros entregavam um saco com fubá, arroz, peixe seco e óleo de soja para 2,3 mil pessoas que aguardavam em fila. Do lado de fora da escola Dom Bosco, onde acontecia a distribuição, as tropas bloqueavam a entrada de pequena multidão, que ficou sem senha para a retirada dos alimentos. Outras sete operações semelhantes aconteceram na cidade. A previsão é que 150 toneladas de alimentos seriam distribuídos, em doação que custou ao Brasil cerca de US$ 200 mil e beneficiou 10 mil pessoas.

Após a visita ao Haiti, Lula irá para El Salvador, para um jantar com os presidentes da América Central e uma cúpula empresarial entre brasileiros e centro-americanos em San Salvador.