Título: País tem mais qualificados do que pode absorver
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Brasil, p. A6

Que o Brasil tinha uma elevada taxa de desocupação decorrente de duas décadas de baixo crescimento econômico, os anos 1980 e 1990, já era um fato amplamente conhecido. Mas que, com seqüela extra desse período, o país acumulou mais capital humano qualificado do que o crescimento econômico foi capaz de absorver, é um fato novo, revelado ontem, durante o 20º Fórum Nacional, com a divulgação do novo Índice de Desenvolvimento Social (IDS), calculado pelo economista Roberto Cavalcanti de Albuquerque, diretor-técnico do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae).

O trabalho revela que de 1970 a 2006, somente no período de 1970 a 1980, auge do chamado "milagre brasileiro", o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu em ritmo maior do que o Índice de Capital Humano (ICH) do país, um subproduto do IDS que resulta da relação entre a população residente com 15 anos de idade ou mais e a média de qualificação dessa população. Para chegar a essa média, o pesquisador usa a variável educação do IDS, que é representada pela taxa de alfabetização e a média de anos de estudos.

De 1970 a 1980, o PIB cresceu 8,6% ao ano, na média, e o ICH, 7,3%. De 1980 a 2000, a média anual de crescimento do PIB baixou para 2,1%, mas a do ICH, mesmo baixando, ainda ficou em 4,7%. De 2000 a 2006, os números foram, respectivamente, de 3% e de 4,1% ao ano. No período do "milagre", o desemprego no Brasil caiu de 9,7% em 1970 para 2,2% em 1980, subindo para 5,4% em 1991 e 15,3% em 2000 para, finalmente, recuar a 8,4% em 2006. Os dados utilizados pelo economista do Inae são baseados nos Censos de 1970, 1980, 1991 e 2000 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2005 e 2006, todos calculados pelo IBGE.

"O país tem uma péssima distribuição de renda e um exército de desempregados que está se qualificando, mas quanto mais ele se qualifica, mais os empregos são incompatíveis com a qualificação", disse Albuquerque. Ele ressaltou que o fenômeno é típico de países que atravessam longos períodos de baixo crescimento. De acordo com seus estudos, caso o Brasil consiga manter por dez anos uma taxa de crescimento econômico entre 4% e 5% ao ano, como deseja o governo, será possível resolver o problema do desemprego, mas não é possível saber se os empregos gerados estarão à altura do nível de qualificação da força de trabalho que é, em síntese, o ICH.

O IDS divulgado ontem pelo Inae é um aperfeiçoamento de outro índice que havia sido apresentado no Fórum Nacional de 2004. O índice é representado por uma nota de 0 a 10, estabelecendo que abaixo da nota 5 a situação é de baixo desenvolvimento, de 5 até menos de 7,5 é de médio-baixo. De 7,5 até menos de 8,5 o desenvolvimento é médio-alto e a partir de 8,5 é alto. As variáveis utilizadas foram saúde, educação, trabalho, rendimento e habitação.

As cinco variáveis são formadas por pelo menos duas outras cada, totalizando 12 itens analisados. Na saúde, por exemplo, o cálculo engloba a esperança de vida ao nascer e a taxa de sobrevivência infantil. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, usado para medir o desenvolvimento social no mundo, usa apenas quatro variáveis, mas Albuquerque avalia que um índice abrangente como seu IDS seria praticamente impossível ser usado em escala tão ampla pela falta de comparabilidade entre os dados.

O trabalho referente a 2006 e extrapolado para 2007 revela que enquanto em 1970 somente os Estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e o Distrito Federal possuíam IDS acima de 5 (respectivamente, 5,65, 5,47 e 5,41), em 2006 o pior indicador era de Alagoas, com 6,22. O pior resultado há 38 anos era do Rio Grande do Norte (1,26), Estado cujo IDS saltou para 7,22 no período, com crescimento médio anual de 5%, o maior do país. O IDS brasileiro em 2006 foi de 8,11 e o número estimado para 2007 foi de 8,24.

O ranking das unidades da federação, em 2006, tinha o Distrito Federal na ponta, com 9,19, comandado pelo elevado rendimento, seguido de Santa Catarina, Estado de desenvolvimento mais uniforme, com 8,89 e de São Paulo, o mais rico da federação, com 8,78. Na parte de baixo da tabela, Alagoas estava acompanhada do Maranhão (6,58) e do Piauí (6,91).

De acordo com os números, nenhum Estado do Nordeste figurava com desenvolvimento social superior a médio-baixo, embora Sergipe, com 7,49, estivesse no limiar de chegar a médio-alto, o que, segundo as estimativas do Inae, foi conseguido em 2007 (7,71). Dos Estados do Norte, somente o Acre, com 7,43 estava abaixo do desenvolvimento médio-alto, além da própria região (7,48).