Título: Educação no Nordeste não acompanha consumo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Opinião, p. A12

O Nordeste é tão pobre que vive surtos de crescimento movidos por políticas sociais de renda ou de aumento do salário mínimo. A lógica é perversa: uma pessoa pode ser tão miserável que ganhar R$ 76 mais por mês é a diferença entre comprar e não comprar, seja o que for; um Estado pode ser tão carente que a soma dos benefícios de muitos pobres pode movimentar toda a sua economia. A região vive um surto agora, provocado pelo Bolsa Família e pela política de aumento do salário mínimo - este repercute imediatamente na aposentadoria rural, que significa muito para uma região que abriga 45% da População Economicamente Ativa (PEA) agrícola do país.

Segundo pesquisa do Instituto Target divulgada pelo jornal "O Globo" no dia 12 de maio, a participação da região no consumo nacional deve superar a da região Sul - e é a primeira vez que o dado, coletado desde 1980, acusa esse fenômeno. O número vem reiterar uma tendência de aumento de consumo das famílias da região - de 2003 a 2007, o Norte e o Nordeste lideram o crescimento do consumo do país. Segundo o PNAD de 2006, a renda média familiar do nordestino subiu 12% entre 2005 e 2006, e a renda disponível aumentou 38% no mesmo período. Pesquisa da Itaucard divulgada este ano aponta um crescimento de 140,9% de aumento de cartões de crédito no Nordeste no período que vai de 2003 a 2007.

Sem dúvida, os programas de transferência de renda do governo trouxeram para o mercado consumidor a enorme demanda represada dos miseráveis da região. Ainda assim, a distância que separa o Nordeste e seu vizinho Norte do resto do país ainda é imensa.

Os números referentes a políticas assistenciais indicam que a economia nordestina é movida a políticas sociais de governos. O Nordeste ainda depende fortemente da aposentadoria rural, que é um Benefício de Prestação Continuada (BPC). A formação familiar em que um aposentado é o chefe de família é uma realidade no campo. Em decorrência, os aumentos reais do salário mínimo têm uma grande repercussão sobre a sua economia. Os programas de transferência de renda chegam a 4,9 milhões de seus domicílios.

Na edição de segunda-feira, "O Globo" teve a feliz inspiração de cruzar os dados de consumo com os de educação da região. Os dois, juntos, podem significar que a repercussão do aumento da massa de consumidores sobre a economia da região bate num teto. O dinamismo econômico proporcionado pelo aumento de renda das famílias tem como limite estrutural a ausência de políticas públicas fundamentais para dar a esse contingente uma "porta de saída" dos programas sociais, isto é, trabalho dignamente remunerado que tire essas famílias da lista de beneficiários de programas de complemento de renda.

Os números referentes às políticas assistenciais indicam que a economia nordestina depende profundamente deles. Mas, se a condicionalidade do Bolsa Família elevou o número de crianças nordestinas matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental para porcentagens semelhantes à média do país, cerca de 90%, isso não quer dizer muita coisa. Só 38,7% destes conseguem chegar ao final do primeiro grau sem fazer um supletivo, segundo o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), quando no Sul esse índice é de 69,1%. Os meninos que conseguiram terminar o primeiro grau no Nordeste conseguem essa façanha em 11,1 anos. No Sul a média é de 9,6 anos. Para cada dois analfabetos brasileiros, um vive no Nordeste - lá, o percentual dos maiores de 15 anos que não sabem ler chega a 20,7%, contra uma média nacional de 10,4%. No Sudeste, o analfabetismo já foi reduzido para um patamar de 6%. Os analfabetos funcionais são 34,4% dos nordestinos e o tempo médio de escolaridade é de 6,3 anos, contra 7,8 anos do Sudeste.

A pobreza estrutural do Nordeste não reage de forma sustentada ao crescimento proporcionado pelos programas sociais. Se nada melhorar da educação da região, que tem 820 dos 1.242 municípios com pior Índice de Educação Básica (Ideb) na primeira fase do ensino fundamental, é difícil imaginar um Nordeste, no futuro, que tenha eliminado sua pobreza a ponto de abrir mão da ajuda direta de governos.