Título: Criação da 'supertele' envolveu dez escritórios e 60 advogados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Legislação, p. E1

O trânsito de advogados em um trecho de apenas duas quadras da Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, intensificou-se entre janeiro e abril deste ano. Ali, próximo à Rua da Assembléia, fica a sede do escritório de advocacia Leoni Siqueira Advogados, território considerado "neutro" onde funcionou o "quartel-general" das negociações e estruturação dos detalhes da venda da Brasil Telecom para a Telemar (Oi). Em outro ponto do mesmo trecho, próximo da Rua do Ouvidor - onde ficam a banca Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados e ainda o escritório de Sérgio Esquenazi - funcionou um outro pólo de trabalho no início das negociações, responsável por alinhavar os acordos de acionistas e a estrutura de governança da "supertele" que resultaria da operação. A poucas quadras dali fica também a sede da banca Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, onde uma equipe de cerca de dez advogados - quatro à frente das negociações e os demais de áreas variadas - se dedicava ao mesmo assunto.

A intensa movimentação não ocorreu à toa. Foram mais de dez escritórios de advocacia e cerca de 60 advogados envolvidos na operação, uma das maiores aquisições já realizadas no país. A rotina das semanas que antecederam a noite de sexta-feira, dia 25 de abril - data de conclusão do negócio, que ainda depende de uma mudança na legislação que regula o setor - incluiu reuniões intermináveis com até 30 pessoas, às vezes simultâneas, que iniciavam pelas manhãs e não raro atravessavam as madrugadas, doses extras de café e, em algumas bancas, duas mil horas de trabalho dedicadas exclusivamente à operação.

"Foram várias noites em claro", diz Kevin Altit, um dos sócios do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga, que contabiliza até mesmo alguns dias sem tomar banho. "Mas foi uma operação muito bonita, muito boa de trabalhar", afirma, passado o alvoroço vivido no auge do fechamento do negócio. Banho não foi o problema, diz o advogado Fabio Peres, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados - já que a banca possui um "kit-banho" para casos como este em sua sede no Rio, próxima ao QG das negociações. "Mas cheguei a ficar 72 horas sem dormir, virando madrugadas durante o desfecho do negócio", conta Peres, que contabilizou cerca de 300 horas dedicadas apenas à operação.

Alguns funcionários dos cerca de dez escritórios de advocacia envolvidos praticamente mudaram seus locais de trabalho para a região do centro do Rio onde funcionou o QG durante os quase quatro meses em que foi costurado o negócio. A rotina de alguns deles muitas vezes envolveu um sobe e desce no edifício de número 110 da Avenida Rio Branco - entre os andares onde estão instalados o Bocater, Camargo e o Esquenazi - e idas ao número 138 da mesma avenida, onde fica o Leoni Siqueira.

Um dos advogados envolvidos nas negociações conta que os primeiros contatos entre a ponta compradora e representantes de controladores da Brasil Telecom começaram por volta do dia 10 de dezembro. "Daí em diante, houve basicamente um intervalo na época do ano novo e depois o trabalho foi num ritmo crescente", conta. Mas, a despeito da intensidade das negociações, chegar a um consenso não foi tarefa fácil. Embora questões como o preço - uma das primeiras a serem acertadas - e estrutura de governança da supertele tenham sido resolvidas de forma relativamente rápida, havia uma tarefa difícil entre as exigências iniciais feitas pelos compradores, Carlos Jereissati, do Grupo La Fonte, e Sergio Andrade, da Andrade Gutierrez, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): eles queriam a Brasil Telecom com os litígios entre os sócios totalmente zerados.

No ápice da guerra que se estabeleceu entre os controladores da Brasil Telecom, em 2005, ninguém jamais imaginou, nem na mais otimista das hipóteses, que todo o desgaste entre Opportunity, de um lado, e Citigroup e fundos de pensão, do outro, chegaria um dia a algum tipo de solução acordada entre as partes - justamente o que acabou ocorrendo no mês passado. A crise entre os dois grupos se agravou em 2005, quando o Citi rompeu com o banco carioca, em março, e chegou ao seu auge em uma memorável assembléia na sede da Brasil Telecom, em Brasília, na qual fundos e Citigroup tentavam fazer valer seu novo acordo de acionistas e se estabelecer à frente da gestão da companhia, então comandada pelo Opportunity. Na época, os dois lados trocaram acusações. As centenas de litígios, travados em território local e estrangeiro, demorariam séculos para chegar a uma conclusão, reconhece um dos advogados envolvidos. "A solução que surgiu com a compra pela Telemar foi a melhor que poderia ter acontecido. O desgaste entre eles era imenso e nosso sistema judiciário não está preparado para dar conta de uma disputa societária daquelas proporções", avalia.

No decorrer da negociação vários prazos foram estipulados. Em janeiro, a idéia era conseguir fechar os contratos antes do carnaval, depois veio o limite da Semana Santa. No dia 27 de março, quando o Citigroup e o Opportunity sinalizaram um entendimento, os trabalhos começaram a ser acelerados. "Sentimos que era preciso aproveitar aquela brecha, era um momento de agora ou nunca", diz um advogado.

O advogado Francisco Müssnich, sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, conta que durante os meses de janeiro e fevereiro a banca participou de diversas reuniões e preparou um documento onde constavam todos os pontos que deveriam ser resolvidos para que se chegasse a um acordo que desse fim à disputa - documento que posteriormente foi desdobrado em vários outros. A partir daí, as negociações se tornaram uma maratona, e durante o mês de março elas ocorreram todos os dias.

Alguns dos interlocutores que acompanharam o processo chegaram a achar várias vezes que não se chegaria a um bom termo. Outros porém, mantiveram-se pragmáticos. "Era uma oportunidade preciosa, um negócio que ia ser bom para todas as pontas, resultou numa operação muito boa", avaliam os advogados do Leoni Siqueira que trataram da operação, Sérgio Brasil e Flavio Galdino. O ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Francisco da Costa e Silva, que acompanha o imbróglio desde 2000, concorda. "Em nenhum momento achei que não ia dar certo", diz.

O advogado Kevin Altit, sócio do escritório Mattos Filho, afirma que o mais desafiador não foi a complexidade técnica da transação, mas chegar a um consenso entre as muitas e dissonantes partes envolvidas. "Os instrumentos jurídicos para viabilizar a operação eram conhecidos, mas, no que diz respeito ao negócio como um todo, dificilmente os profissionais que estavam ali já haviam participado de algo mais complexo", afirma. "Em algumas ocasiões, eu achava a operação, naquele formato, relativamente improvável. Tantas tentativas haviam sido feitas no passado e você acaba ficando pessimista", diz Altit, ressalvando que a afirmação tem caráter pessoal.

De fato, os advogados que participaram da operação, alguns mais jovens e outros com mais de 20 anos de experiência, são praticamente unânimes em dizer que todo o processo foi o mais complexo e, também por isso, o mais interessante de suas vidas profissionais. Alguns dos mais experientes, além de tudo, conheceram, na reta final, uma novidade: as bebidas energéticas. "Não teve jeito, tive que me render ao tal do Red Bull. Na última semana não dormimos muito mais do que umas seis horas ao todo, e as últimas duas ou três noites foram viradas", conta um experiente advogado que participou das negociações do início ao fim. Na véspera da assinatura, quando os contratos chegavam nas aprovações finais, após inúmeras revisões manuais e virtuais - ou seja, a passagem por programas de "dataview" que apontam todas as alterações feitas nos documentos - a noite foi movida a energético e mais de 50 pizzas. No dia "D", foram cerca de nove horas somente para assinar os mais de 40 contratos que selaram a operação.