Título: A capitalização de juros e o Poder Judiciário
Autor: Sobrinho , José Dutra Vieira
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Neste artigo vou abordar uma questão que vem me preocupando há muitos anos: a restrição legal de se capitalizar juros, comumente referida como anatocismo. Essa restrição, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), está sintetizada no texto da Súmula nº 121, cuja redação é a seguinte: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

Esta proibição é contrária a tudo que se faz no mundo real, não só no que se refere às práticas internacionais no mercado financeiro e de capitais, como também em tudo que se ensina nas universidades e nos textos contidos nos livros de finanças dos autores mais conceituados. Pode-se assegurar que a quase totalidade das operações financeiras realizadas no mundo, bem como todos os estudos de viabilidade econômico-financeira, são efetivados com base no critério de juros compostos, ou capitalização composta. Proibir a capitalização dos juros implica em colocar na marginalidade os fundamentos de uma ciência matemática respeitada, aplicada e reconhecida no mundo inteiro. Apenas para ilustrar, vou relacionar algumas operações realizadas no nosso mercado, calculadas com base nesse critério, começando pelas aplicações financeiras: cadernetas de poupança, fundos de investimentos em renda fixa, fundos de previdência, fundos de pensão, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), títulos de capitalização, títulos de renda fixa privados e todos os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal, sejam eles com renda pré ou pós-fixados; do lado dos empréstimos e financiamentos temos o crédito pessoal parcelado, financiamento de veículos, todas as formas de crediário de lojas, empréstimos para aposentados, financiamentos e repasses de recursos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), todas as modalidades de financiamentos habitacionais realizados dentro e fora do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e muitos outros.

Em contrapartida, o número de operações calculadas com base em juros simples é insignificante; entre as mais conhecidas estão as de juros de mora, adiantamento sobre contratos de cambio (ACC) e as de cálculo de juros sobre saldos devedores dos cartões de crédito.

Do ponto de vista matemático, operacional e contábil, o critério de juros compostos é coerente e consistente, quaisquer que sejam os valores, taxas e prazos envolvidos, e quaisquer que sejam as formas de pagamentos. O mesmo não ocorre com o critério de juros simples que, se utilizado, provoca distorções irreversíveis, principalmente nos planos envolvendo dois ou mais pagamentos.

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A minha preocupação sobre o tema aumenta na medida em que tomo conhecimento de pronunciamentos e decisões judiciais fundamentadas em argumentos equivocados, que contrariam a ciência e a história, inspirados em textos escritos com base em literaturas de fontes não confiáveis. Acompanho muito de perto o resultado desse equívoco. Como profissional atuante nesse campo, tenho analisado muitos processos e conversado com centenas de peritos e juristas que tratam do assunto, e por isso tenho consciência dos estragos que essa polêmica vem causando à racionalidade e à Justiça, afetando negativamente o ensino da ciência financeira e jurídica, e comprometendo a segurança dos juízes nas decisões que envolvem o assunto capitalização de juros.

Sou economista e professor de matemática financeira e há mais de 40 anos atuo no mercado financeiro e de capitais; meu livro "Matemática Financeira", 7ª edição, Editora Atlas, é um dos mais vendidos e indicados nas universidades brasileiras nos últimos 26 anos, e, dentro da minha área de atuação, além dos cursos que ministro para faculdades, empresas e associações de classe, presto assessoria informal a diversos jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão. E assim como os ministros dos nossos tribunais têm enorme responsabilidade perante a sociedade brasileira no que diz respeito à aplicação das regras constitucionais e na uniformidade de interpretação das leis federais, também me sinto responsável perante essa mesma sociedade no que se refere à formação técnica e científica dos nossos estudantes e dos profissionais que atuam no mercado financeiro, bem como da qualidade técnica das informações de caráter financeiro transmitidas pela imprensa.

É oportuno que os atuais ministros do STF revejam o entendimento contido na Súmula nº 121 de 13 de dezembro de 1963, que, creio, foi baseada na frase "é proibido contar juros dos juros", contida no artigo 4º do Decreto nº 22.626 de 7 de abril de 1933, cujo texto é cópia literal do artigo 253 do Código Comercial Brasileiro de 1850 - esse texto foi diretamente influenciado pelos artigos 1.154 do Código Civil Francês, de 1804, e do artigo 286 do Código Comercial Português de 1833, os quais não vedam a utilização do critério de juros compostos.

Não pretendo, com este artigo, atribuir aos ministros do nosso Judiciário toda culpa por esse equívoco histórico e totalmente incompatível com a realidade internacional. Todos nós, professores, mestres ou doutores, profissionais experientes, conhecidos e valorizados, juristas ou não, peritos judiciais e assistentes técnicos, também somos responsáveis pela sua existência. Sim, todos nós, que por comodidade, interesse ou medo, deixamos de levar à cúpula do Judiciário do nosso país a necessidade de se rever a interpretação que ainda vigora.

José Dutra Vieira Sobrinho é consultor financeiro, graduado em economia e pós-graduado em ciências contábeis, professor do Ibmec, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil e autor dos livros "Matemática Financeira" e "Manual de Aplicações Financeiras HP-12C" pela editora Atlas

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