Título: Com empate na votação, STF retoma hoje julgamento sobre células-tronco
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Brasil, p. A2

Direito: "O sêmen não é um ser humano, mas é um ser humano em potência" O julgamento sobre a possibilidade de pesquisas com células-tronco embrionárias ficou empatado, ontem, após mais de dez horas de debates entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e será retomado hoje a partir das 14h. O placar parcial está em quatro votos a favor da Lei de Biossegurança, que permite o uso de embriões para fins científicos e outros quatro ministros que impuseram condições restringindo bastante a aplicação da lei e a realização das pesquisas.

Das 8h30 da manhã até as 20h, as diferentes linhas de argumentação ficaram bastante claras no julgamento. Logo no início, o ministro Carlos Alberto Direito abriu a controvérsia ao restringir as pesquisas com células-tronco a uma série de regras. Antes do voto de Direito, o STF computava dois votos amplamente favoráveis às pesquisas, proferidos pelo relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, e pela ministra Ellen Gracie.

Católico praticante, Direito fez questão de enfatizar que a discussão é jurídica, e não religiosa. Em seguida, mostrou que o tema é tão complexo que a União Européia liberou os países para legislar sobre o assunto e nos EUA há leis diversas autorizando ou proibindo as pesquisas com embriões em cada Estado. No mérito da questão, Direito considerou que os embriões são "vida em potência" e, portanto, estão protegidos pela Constituição que garante a inviolabilidade do direito à vida. "O sêmen não é um ser humano, pois depende de intervenção, mas é um ser humano em potência", afirmou. "O embrião foi gerado para ser, e não para não ser. É um ser em potência e essência, em ininterrupta atualização."

Direito usou uma estratégia jurídica para convencer os demais: ele não votou contra o artigo 5 da Lei de Biossegurança (n 11.105), que autoriza as pesquisas com embriões, mas sim, para acrescentar interpretação nova à lei, de modo que as pesquisas fiquem submetidas a novos requisitos. Essa tática é conhecida como "interpretação conforme a Constituição" e funciona da seguinte forma: o artigo fica mantido, mas deve seguir a interpretação que o STF faz para ser aplicado na prática.

Pela interpretação de Direito, só poderão ser utilizadas nas pesquisas as células de embriões, desde que não comprometam a capacidade deles de se tornarem pessoa. No caso do uso de embriões, Direito ressaltou que só poderão ser utilizados aqueles que não possuem capacidade de se tornar vida. O artigo 5 permite o uso de células obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização "in vitro" para fins de pesquisa e terapia. Pelo voto de Direito, "fertilização 'in vitro'" será entendida como modalidade terapêutica apenas para a cura da infertilidade do casal. Por fim, ele impôs a condição de que as pesquisas terão de ser "devidamente aprovadas e fiscalizadas por órgão federal".

Os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso também mantiveram o artigo 5 da lei, com a imposição de condições, mas algumas delas são diferentes das estipuladas por Direito e só serão debatidas a fundo caso essa linha saia vitoriosa no julgamento. Grau, por exemplo, sugeriu a criação de um comitê do Ministério da Saúde para aprovar cada pesquisa. Lewandowski enfatizou que as pesquisas com embriões devem movimentar investimentos de mais de US$ 10 bilhões e que é necessária ampla fiscalização.

"Não se mostra conveniente permitir que as pesquisas com células-tronco embrionárias sejam exclusivamente competentes aos comitês de ética das próprias instituições que as manipulam. Não é sequer razoável nem conveniente que os próprios órgãos de ciência tomem decisões sobre suas próprias atividades", advertiu Lewandoski. Peluso também seguiu essa linha: "O problema com as pesquisas com células-tronco é tão serio que não pode ficar na mão dos cientistas".

Carlos Britto relembrou o seu voto a favor das pesquisas e disse que a Lei de Biossegurança impôs requisitos à ciência e que o uso de embriões deverá seguir a três condições: autorização do casal, constatação de que o embrião é inviável para a reprodução e que os embriões estejam congelados há mais de três anos. A ministra Cármen Lúcia Rocha também entendeu que a lei é bastante rigorosa no uso de embriões e que não vê violação ao direito à vida. "A utilização (dos embriões) conforma-se aos cuidados da lei. A não-pesquisa é a certeza de ausência de resultado."

O ministro Joaquim Barbosa também seguiu essa linha: "Da análise do texto legal resulta cristalino que não é todo e qualquer embrião que pode ser objeto de pesquisa científica". O mais importante, segundo Barbosa, é que a lei veda a doação de embriões para a pesquisa. "A lei respeita a laicidade do Estado brasileiro."

Ainda faltam três votos: dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e do presidente do STF, Gilmar Mendes. Celso voltou a declarar ontem que espera que o STF libere as pesquisas e arriscou um placar de 7 votos a 4.