Título: Setor público faz economia inédita até abril
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Brasil, p. A3

Acusado de produzir uma política fiscal expansionista, o setor público entregou no primeiro quadrimestre um superávit nominal de 0,76% do Produto Interno Bruto (PIB), fato inédito na série estatística do Banco Central, que começa em 1991. A arrecadação superou os gastos em R$ 6,885 bilhões, incluindo na conta os encargos da dívida pública.

Houve melhora considerável em relação ao resultado apresentado no primeiro quadrimestre de 2007, quando o governo havia produzido leve déficit, de 0,05% do PIB. Economistas do Ministério da Fazenda sustentam a tese de que, com base nos dados divulgados até agora, o governo não pode ser acusado de produzir uma política fiscal que coloca mais lenha na aquecida demanda agregada.

"De fato, com base nos dados referentes ao primeiro quadrimestre, não é possível afirmar que o governo fez uma política fiscal expansionista", afirma o economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman. "Mas não é possível dizer que o que ocorreu até agora será válido para o resto deste ano."

O BC, na ata da reunião de abril, que iniciou o atual ciclo de aperto monetário, disse que a política fiscal é expansionista. "Ao longo dos próximos meses, o crescimento do crédito e a expansão da massa salarial real devem continuar impulsionando a atividade econômica", afirma a ata. "A esses fatores de sustentação da demanda devem ser acrescidos os efeitos das transferências governamentais e de outros impulsos fiscais esperados para este e os próximos trimestres."

O superávit nominal do primeiro quadrimestre é bom sinal, mas não significa, necessariamente, que a política fiscal não será expansionista este ano. O BC vem insistindo que, do ponto de vista da política fiscal, o que vale é a meta oficial do superávit primário - 3,8% para este ano, com possibilidade de redução de 0,45% por conta dos gastos previstos no Programa Piloto de Investimentos (PPI). É com esses percentuais que o BC conta no cenário básico de projeção da inflação de 2008 e 2009.

Ontem, o BC divulgou estatísticas que mostram que, nos 12 meses encerrados até abril, o superávit primário é de 4,23% do PIB. Ou seja: o BC trabalha, ao calibrar a política monetária, com a hipótese mais provável de que haja uma expansão fiscal entre 0,43% e 0,88% do PIB até o fim do ano, levando o superávit primário mais recente, de 4,23% do PIB, para algum percentual entre 3,35% e 3,8% do PIB.

Fontes do governo dizem que a intenção do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é fixar oficialmente um objetivo mais ambicioso para a política fiscal, aliviando assim a política monetária. Ele não anunciou o objetivo ainda, porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não estaria convencido das vantagens da proposta. Além disso, Mantega evita anunciar que há sobra de recursos em um momento em que o Congresso Nacional discute, por meio da regulamentação da emenda 29, um possível aumento de despesas com a saúde.

Uma meta oficial de superávit primário ajudaria a política monetária, mas, na ótica do BC não significaria necessariamente que a política fiscal deixaria de ser expansionista. Mesmo quando o governo aumenta o superávit primário, pode estar ocorrendo uma política fiscal expansionista se o resultado é obtido com aumento da arrecadação e despesas. O governo, nesse caso, banca seus gastos com recursos extraídos de quem tem maior propensão a poupar.

O aumento das transferências governamentais, como o pagamento de aposentadorias e programas sociais, também estimula a demanda, mesmo que bancados por impostos. Os recursos são retirados de quem tem maior propensão a poupar e entregues a quem gasta mais.

Mas é controverso se o Tesouro está mesmo aumentando gastos. Dados divulgados anteontem pelo Tesouro mostram que, em termos nominais, os gastos aumentaram 9,4% entre o primeiro quadrimestre de 2007 e de 2008, enquanto a arrecadação subiu 16,5%. Mas o Tesouro argumenta que, entre um período e outro, o PIB aumentou mais do que os gastos. Em termos nominais, segundo seus cálculos, o PIB aumentou 12,6%. Tomando como base esses números, as despesas diminuíram 2,8% no primeiro quadrimestre em relação ao PIB, comparado com igual período do ano anterior, e a arrecadação aumentou 3,5% no período.

As estatísticas do BC mostram que, no primeiro quadrimestre, o superávit primário foi equivalente a 6,82% do PIB, o maior percentual já registrado. Houve um importante aumento em relação aos 3,97% do PIB obtidos no primeiro quadrimestre de 2007. O recorde anterior, sempre na mesma base de comparação, havia sido observado no primeiro quadrimestre de 2005, quando o superávit primário chegou a 6,56% do PIB. Ao fim daquele ano, o governo entregou um superávit primário de 4,35%, superando a meta oficial.

O grosso do superávit primário do quadrimestre foi produzido pelo governo central, incluindo governo federal, BC e Previdência, com resultado de 5,38% do PIB. No mesmo período de 2007, essa esfera de governo havia registrado superávit de 4,14% do PIB.

Dois fatores explicam a melhora desse resultado. Um deles é a queda do déficit da Previdência, que ficou em 1,38% do PIB no primeiro quadrimestre, ante 1,75% do PIB em período semelhante do ano passado. Outro fator foi uma melhora no resultado do Tesouro, que passou de 5,91% do PIB para 6,78% do PIB entre o primeiro quadrimestre de 2007 e de 2008.

Os Estados e municípios, que vinham dando uma contribuição importante para o resultado primário, agora ajudam menos. Continuam exibindo superávit, de 1,37% do PIB no primeiro quadrimestre, mas menor do que o 1,67% do PIB observado em período semelhante de 2007.

O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, observa que a redução das contribuição dos Estados e municípios para o superávit primário ocorre a despeito de a arrecadação do ICMS estar aumentando. O dado mais atual, do primeiro trimestre, mostra expansão de 17,7% na arrecadação do tributo. "Embora não seja possível afirmar com certeza, é possível que a queda do superávit primário se deva ao aumento sazonal de gastos que ocorre nos períodos de eleições", diz Lopes.

Apesar do superávit nominal de abril, que somou R$ 3,842 bilhões no mês, a dívida líquida registrou uma queda apenas simbólica, passando de 41,1% para 41% do PIB entre março e abril. Isso ocorreu porque, em abril, houve uma apreciação cambial de 3,5%, que aumentou a dívida - hoje o governo perde quando o dólar se enfraquece, porque é credor em moeda estrangeira, em virtude do alto volume de reservas internacionais. A projeção do BC é que, em maio, a dívida caia a 40,9% do PIB e encerre o ano pouco acima disso, em 41,3% do PIB. A projeção é um déficit nominal de 1,6% do PIB no ano.