Título: Para Fishlow, Brasil precisa aumentar poupança pública
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Brasil, p. A4

Obtido o grau de investimento, o Brasil entra agora em uma segunda etapa: mostrar ao mundo que tem capacidade de crescer de forma sustentada e contínua. Para isso, é fundamental ampliar as taxas de investimento e de poupança, afirma Albert Fishlow, professor emérito da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. "É preciso reduzir os gastos públicos, e a única forma de se fazer isso é aumentando o superávit primário (a diferença entre as receitas e despesas do governo, sem contar os gastos com juros)".

Com isso, segundo ele, o país poderia mostrar que é capaz de aumentar a poupança do Estado ao invés do gasto do Estado. "O superávit hoje em dia já é maior do que era estimado no início do ano, mesmo sem a CPMF. Sempre que o país tem crescimento da ordem de 4,5% a 5%, as receitas do governo crescem mais porque a economia brasileira tem uma elasticidade maior do que um". Nos primeiros quatro meses do ano, o superávit primário atingiu R$ 61,743 bilhões, o equivalente a 6,82% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central.

O grande problema, segundo ele, é que sempre que aumenta receita, "todos querem gastar mais". Um exemplo desses gastos que não agradam ao professor é o fundo soberano, idéia que ele considera inadequada para o Brasil justamente pelo país gastar mais do que arrecada.

Fishlow é um profundo conhecedor da economia brasileira. Ele dirige o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, visita o país há 42 anos, e morou aqui. Fishlow veio ao Brasil para uma série de palestras e hoje fala para clientes do Banco Fator, no Hotel Unique, em São Paulo.

Nesses mais de 40 anos, conta que viu o país experimentar diferentes situações e modelos econômicos. Nos últimos dez anos, no entanto, a economia atingiu um grau de estabilidade e de crescimento que pode se manter por muitos anos. "Estou muito otimista. O Brasil está muito próximo de ter uma taxa sustentável de crescimento".

Três pontos levaram a essa condição, avalia o professor: o fim da inflação, o processo de privatização e a entrada no comércio internacional. Ele diz ainda que boa parte desse bom desempenho se deve à atuação do Banco Central.

"Sempre se falou da Argentina como modelo a ser seguido. Hoje o modelo é o Brasil". Segundo ele, o BC iniciou um novo processo de aperto monetário antes do esperado, mostrando que a preocupação com o controle da inflação é prioridade. "Todos parecem ter percebido isso e o presidente Lula sempre fala da importância de se combater a inflação".

Apesar do otimismo, o economista vê alguns riscos, como a alta do petróleo e dos alimentos, puxadas por um forte componente de especulação. "Não há relação de oferta e demanda que duplique o preço de um ativo em tão pouco tempo, como aconteceu com o petróleo".

Essas elevações têm causado pressões inflacionárias por todo o mundo, como impactos também no Brasil. Ainda assim, ele considera inadequada uma acomodação desse choque na meta da inflação, hoje em 4,5% ao ano. "Simplesmente aumentar a meta é uma indicação de que ela não tem validade. Que se poderia alterá-la dependendo das condições. Amanhã vem um outro choque com aumento de preços de petróleo e tem que aumentar novamente?", indaga o professor.

Além disso, Fishlow ressalta que a alta dos preços dos alimentos não deve preocupar o Brasil. "Isso poderia estar um pouco exagerado. Logo vem a nova safra. O Brasil está plantando mais. Houve a decisão do governo de dar um alívio muito grande ao setor agrícola [renegociação de quase R$ 75 bilhões em dívida]. E como conseqüência estou seguro de que haverá um investimento maior dentro do setor agrícola para aumentar a produção".

Ele vai além. "O Brasil é de fato o celeiro do mundo no sentido de ter capacidade de exportar e poderia até se beneficiar como conseqüência do aumento dos preços". A exportação é o ponto central para Fishlow, com o modelo asiático servindo de exemplo. "O Brasil é um dos poucos países dentro do mundo que tem de um lado recursos naturais e também um setor de manufatura capaz de exportar para o mundo".

Para ampliar as exportações, no entanto, ele retoma o discurso da necessidade de mais investimento, especialmente em infra-estrutura: portos, estradas, ferrovias e até mesmo obras dentro da área urbana. "Por isso o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de certa maneira, não está estimando bem a quantidade de investimento necessária". Além disso, a economia brasileira produz quase a plena capacidade e podem surgir pressões inflacionarias. Uma saída, segundo ele, seria retomar a idéia das Parcerias Público-Privadas (PPP).