Título: Meirelles aguarda vácuo de poder para definir seu rumo em 2010
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Política, p. A7

Ao dizer a Lula que anunciaria sua não-candidatura, Meirelles ouviu do presidente que "nunca se deve fechar portas" O projeto político do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, será definido apenas em 2010 e a partir do que ele, em conversas com amigos e aliados políticos, chama de "vácuo de poder". Quando se aposentou da presidência do BankBoston (hoje, FleetBoston) em 2002, seu plano era eleger-se deputado federal por Goiás, o que efetivamente conseguiu, e, em 2006, tentar o governo do Estado, para mais adiante ousar um projeto nacional. Tendo presidido o BC num momento positivo da economia brasileira, marcado pelo controle da inflação e a retomada do crescimento acelerado e em bases sustentáveis, Meirelles acha que, agora, pode encurtar distâncias.

Numa avaliação fria sobre sua carreira, o presidente do BC considera insuficiente, segundo relatos de fontes próximas a ele, pleitear um mandato de governador ou mesmo uma vaga no Senado. Não se trata de hipóteses descartadas, mas elas são vistas hoje como "remotíssimas" por pessoas de seu convívio. Por razões óbvias, jamais renegaria um futuro político em Goiás. Seria uma descortesia "inaceitável", diz um político experiente, ou mesmo um "suicídio eleitoral".

Meirelles não diz a ninguém o que pretende fazer, mas, de seu raciocínio sobre a conjuntura política, conclui-se que ele almeja a Presidência da República. Tudo vai depender da situação político-eleitoral, em 2010, dos pré-candidatos já colocados - José Serra, do PSDB, Ciro Gomes, do PSB, e Dilma Rousseff, do PT. O presidente do BC planeja colocar-se como reserva. Se um ou dois desses candidatos não se viabilizarem, ele deverá se apresentar para a disputa.

Meirelles, segundo seus principais interlocutores, não enxerga no horizonte o "vácuo de poder" que o estimularia a entrar na corrida, mas ele já tem uma estratégia para os próximos dois anos. Vai retardar ao máximo o seu movimento político. Seu plano é afastar-se inteiramente de quaisquer articulações partidárias até outubro do próximo ano, quando termina o prazo de filiação para os concorrentes de 2010. Ele acha que tem capital político para entrar em disputas eleitorais, mas acredita que não faz sentido falar em candidatura agora. Isso atrapalharia, na sua avaliação, a gestão do BC. "É tudo o que seus potenciais adversários desejam", observa um aliado.

Na medida em que a tendência da política é exigir a flexibilização de princípios econômicos, comandar o BC e fazer política partidária simultaneamente colocariam em risco a credibilidade da autoridade monetária. Para Meirelles, não há como compatibilizar as duas coisas. Mergulhar publicamente na política agora poria em risco, inclusive, um eventual projeto político.

Quando assumiu o BC e se afastou da vida partidária, em 2003, Meirelles foi acusado de arrogância em Goiás. Nos últimos meses, ele decidiu sair da toca para corrigir essa imagem. Passou a aceitar convites para dar palestras na capital e no interior do Estado, esteve duas vezes no Rotary Club de Goiânia em dois meses. "Ele passou a fazer o mínimo possível para não criar um postura de soberba", conta um velho amigo. Num desses eventos, quando esteve na Assembléia Legislativa de Goiás, chamou a atenção dos políticos locais.

Em março, preocupado com as repercussões dessas iniciativas em seu trabalho à frente do BC, Meirelles resolveu procurar as principais lideranças políticas de Goiás para assegurar que não será candidato em 2010. "Eu não estava fazendo nada para ser candidato", reclamou com um amigo. Ninguém acreditou. Correligionários da eleição de 2002 passaram a procurá-lo para saber quem ele apoiaria nas eleições municipais deste ano.

O burburinho continuou. Embora tenha sido eleito em 2002 pelo PSDB, Meirelles tem ligações com políticos de praticamente todas as legendas, inclusive, o PT - hoje, ele receberá a bancada do partido na Câmara; oficialmente, o tema da conversa é economia. O presidente do BC é amigo há décadas do deputado petista Pedro Wilson, que foi prefeito de Goiânia. Tem boas relações também com outro petista, o deputado Rubens Otoni, ex-prefeito de sua cidade natal (Anápolis).

Além dos petistas, os principais interlocutores de Meirelles em Goiás são os deputados federais Sandro Mabel (PR) e Ronaldo Caiado (DEM), os senadores Lúcia Vânia (PSDB) e Marconi Perillo (PSDB), o deputado estadual Hélder Valin (PSDB), o governador Alcides Rodrigues (PP), o prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), além do secretário estadual de Fazenda, Jorcelino José Braga.

Partidos com candidatos óbvios em 2010 são os que menos têm procurado Meirelles. O PT não é forte em Goiás. Elegeu apenas dois deputados federais e nunca fez um governador. Em tese, não tem um nome competitivo para as eleições locais de 2010 e, por isso, Meirelles pode vir a ser uma alternativa. Segundo fontes consultadas pelo Valor, ele não descarta uma possível candidatura pelo PT.

-------------------------------------------------------------------------------- Ao eleger-se deputado em 2002 sonhava com o governo de Goiás, mas o BC lhe abriu a chance de encurtar distâncias --------------------------------------------------------------------------------

Por causa do burburinho político, há menos de um mês o presidente do BC pediu um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Numa conversa no Palácio da Alvorada, disse ao presidente que convocaria entrevista coletiva em Goiânia para anunciar que não seria candidato em 2010. Lula, segundo fontes ouvidas pelo Valor, o teria desaconselhado a fazer isso. Argumentou que essa postura seria negativa, um desrespeito ao eleitorado de Goiás. "Político não pode nunca fechar portas, Meirelles", teria comentado o presidente, segundo um assessor. Além disso, Lula teria sinalizado que gostaria de tê-lo em seu tabuleiro político em 2010, mas não deixou nada claro.

Convencido pelo presidente, Meirelles desistiu do anúncio, mas manteve a estratégia de se afastar das articulações partidárias. A justificativa permanecia a mesma: movimentos políticos neste instante prejudicam sua atuação no BC. Alguns dias após a conversa com Lula, Meirelles se surpreendeu com informação, veiculada na imprensa, de que teria ido ao presidente para lhe transmitir mensagem oposta à pretendida originalmente - a de que deixará o BC em outubro de 2009 para se candidatar em Goiás no ano seguinte.

O Palácio do Planalto não confirma a versão publicada pela imprensa, mas ela gerou suspeitas entre aliados e amigos de Meirelles. Para eles, interessa a Lula ter o presidente do BC no jogo para 2010, como seu aliado, mas não para a Presidência. Outros acharam que, na verdade, o vazamento daquela versão do encontro seria um recado sutil do presidente a Meirelles - para que ele saísse mesmo candidato em Goiás, liberando o comando do BC em 2009. Por trás disso, estaria a intenção de mudar a orientação da economia, um velho sonho de petistas e mesmo de integrantes da equipe econômica, algo que, com Meirelles no cargo, Lula sabe que não acontecerá.

"No governo, Meirelles já é tratado como candidato", atesta um assessor graduado. Por causa dos ruídos, ele parou de ir a Goiânia, onde mantém residência, até nos fins de semana. Àqueles que o têm procurado para falar de política, menciona a tese do "vácuo de poder", mas pede reserva sobre o que é conversado.

Em seu gabinete, no 20º andar do edifício-sede do Banco Central, em Brasília, se um assessor inicia conversa que possa resvalar na política, Meirelles pede licença, vai até o aparelho de som e sintoniza o rádio na freqüência da Brasília Super Rádio FM, uma emissora dedicada a música erudita e ao jazz. Para evitar qualquer vazamento de som do ambiente, de vez em quando aumenta o volume, usando um controle remoto. A tática foi testemunhada por pelo menos duas pessoas que estiveram com ele recentemente.

Quando fala do "vácuo de poder", Meirelles menciona, por exemplo, o exemplo do ex-presidente Fernando Collor, que só saiu candidato ao Senado, em 2006, 15 dias antes do prazo para registro de candidaturas. Collor tomou a decisão depois que a então senadora Heloísa Helena, do PSOL, confirmou que se candidataria à Presidência da República, em vez de se lançar à reeleição em Alagoas. Collor teria se aproveitado, então, do "vácuo político" deixado por Helena.

A um outro interlocutor, Meirelles, que viveu muitos anos nos Estados Unidos como executivo do BankBoston, cita o caso de Al Gore, que foi vice-presidente nos dois mandatos de Bill Clinton e candidato derrotado na disputa presidencial de 2000. Trata-se de um exemplo que não se materializou, mas que Meirelles vê como um modelo para sua estratégia.

O plano de Gore era se lançar candidato depois do esperado desgaste da senadora Hillary Clinton, pré-candidata do Partido Democrata, uma vez que era notória a rejeição de grandes fatias do eleitorado do partido a ela. Gore planejava entrar na disputa num segundo momento, tornando-se candidato por aclamação. Mas, como o senador Barack Obama surpreendeu nas eleições primárias, não se configurou um "vácuo político" e, por isso, Gore não se apresentou para a disputa. Obama está virtualmente escolhido para defender o partido nas eleições deste ano.

Deputado mais votado de Goiás nas eleições de 2002, com quase 200 mil votos, algo como 10% dos votos válidos, Meirelles foi sufragado em todas cidades do Estado, tendo sido o preferido nas localidades mais ricas - Goiânia, Rio Verde e Anápolis. Sua estratégia era disputar o governo de Goiás em 2006 - ele tinha, inclusive, o ambicioso plano de transformar o Estado numa superpotência do agronegócio, uma referência nacional e até internacional. Nas eleições municipais de 2004, ajudaria a eleger correligionários nas principais cidades e, fortalecido, disputaria o governo dois anos depois. Como foi convidado em dezembro de 2002 a presidir o BC, renunciou ao mandato de deputado e saiu inteiramente da cena política. Agora, julga que o cargo no BC é um atalho para ambições maiores que seu Estado natal.