Título: Aumenta a exigência no crédito imobiliário
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Finanças, p. C1

Os bancos podem ter certa dificuldade para cumprir a exigência de destinação dos recursos da poupança. As captações da caderneta vêm crescendo a taxas aceleradas, exigindo mais operações dos bancos, que são obrigados a repassar 65% desses recursos para o financiamento imobiliário. Além disso, neste ano, termina o uso de parte da dívida do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) para abatimento da exigibilidade, o que exigirá mais R$ 7 bilhões em novos financiamentos.

Segundo agentes do setor, já há mais de R$ 1 bilhão depositado compulsoriamente no Banco Central (BC) por não cumprimento das metas de repasse da poupança impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Quatro, dos 22 bancos autorizados a operar crédito imobiliário com recursos da poupança não cumprem a exigência (dois deles privados).

Até o momento, os bancos vêm cumprindo a exigibilidade, mas o percentual está em queda. Segundo dados do BC, no fim do ano passado a relação entre empréstimos e exigência de alocação caiu de 109,3% para 108,8% nos bancos privados em média.

Além disso, as captações da poupança vêm crescendo a taxas aceleradas, exigindo mais operações dos bancos para cumprir a exigibilidade. A captação líquida (depósitos menos retiradas) dos três primeiros meses do ano atingiu R$ 2,1 bilhões, o dobro do mesmo período de 2007 (R$ 1,1 bilhão). Em 2007, os depósitos subiram R$ 26 bilhões. Apenas Bradesco e Itaú captaram quase R$ 10 bilhões no ano passado (uma parte desse montante atende também ao financiamento agrícola).

Além disso, neste ano se encerra o uso de parte da dívida do FCVS como artifício para cumprimento da meta de direcionamento de 65% dos recursos da poupança. Somente para suprir essa perda, os bancos precisarão fechar R$ 7 bilhões em novos empréstimos, quase 40% do que foi destinado em 2007 (R$ 18,3 bilhões).

Essa parcela do FCVS surgiu por conta do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), de 1995. Para execução do programa, alguns bancos privados venderam com deságio parte dos ativos ligados ao FCVS para os bancos liquidados na época, como Econômico e Nacional.

Os bancos que repassaram esses créditos puderam usar o valor ,total, R$ 34,7 bilhões, para compor a exigibilidade do crédito imobiliário, a partir de 2002. O montante vem sofrendo amortização mensal na proporção de 1/100. No início deste ano restavam cerca de R$ 7 bilhões, que se encerram em dezembro.

O FCVS foi criado no fim dos anos 60 para cobrir possíveis resíduos nos contratos imobiliários. Nestes contratos havia um descasamento entre a correção monetária da prestação e do saldo devedor. O mutuário contribuía para o FCVS que seria responsável no final do contrato pelo pagamento de eventual saldo devedor remanescente, explica o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, Fernando de Holanda Barbosa, em artigo para a Revista de Economia Política.

Como resultado de alterações feitas nos contratos durante a primeira metade da década de 80 pela política econômica da época, que beneficiaram os mutuários, diz o professor, os recursos do FCVS foram insuficientes para cobrir os saldos dos financiamentos imobiliários das instituições financeiras com carteira de crédito imobiliário.

O Banco Central aproveitou a crise bancária de 95 para resolver, parcialmente, o problema deste "esqueleto", nas palavras do professor, e da "moeda podre" correspondente, obrigando os bancos sob intervenção a garantirem seus empréstimos do Proer com os ativos comprados com deságio de outros bancos (o equivalente de 120% do valor de face da "moeda podre" com um deságio de 65%).

São exatamente esses ativos que deixam de ser computados no fim do ano para o cálculo da exigibilidade. Apesar do fim desta contabilização, existem ainda R$ 38,7 bilhões em crédito do FCVS que continuam sendo computados. Parte do montante que já foi "novado" (virou dívida securitizada) começa a receber pagamento das amortizações em 2009, por parte do Tesouro Nacional (devido a um acordo, que começou a valer em 1997 em que as dívidas do FCVS foram convertidas em títulos (CVS) para serem pagos em 30 anos.

O déficit global líquido estimado do fundo é de R$ 99,9 bilhões, segundo dados do BC de dezembro do ano passado. Os contratos com Caixa Econômica Federal respondem por quase metade desse total.

Mas os bancos estão otimistas com o cumprimento da exigibilidade devido à alta demanda por empréstimos. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) estima que o volume de recursos concedidos no ano supere R$ 25 bilhões, bem acima da exigência. Até abril, foram R$ 7,5 bilhões em financiamento habitacional.

O Bradesco, por exemplo, pretende realizar R$ 5,3 bilhões e somente no primeiro trimestre foram fechados negócios que somam R$ 1,5 bilhão. "Dado a grande demanda, provavelmente vamos fazer um numero até maior", afirma Norberto Barbedo, vice-presidente do banco.

O aquecimento do mercado trouxe ainda novos agentes, como o Banco do Brasil. "Até o fim do próximo ano queremos estar com R$ 5 bilhões em crédito imobiliário", disse Paulo Rogério Caffarelli, diretor de novos negócios do BB. A instituição aguarda apenas autorização do Banco Central para iniciar a operação e dar início, ainda em junho, a uma grande campanha publicitária do novo produto.