Título: Governo quer ampliar lei contra lavagem
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Finanças, p. C

O governo decidiu modificar a atual Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (nº 9.613/98) e prepara um novo projeto de lei para ser enviado ao Congresso este ano. O objetivo é ampliar o rol de crimes que hoje são tipificados como lavagem, facilitar o confisco imediato de bens de suspeitos e redefinir as funções dos órgãos públicos de combate ao crime. Hoje, apenas oito crimes são previstos como lavagem: narcotráfico, terrorismo, contrabando de armas, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública (nacional e estrangeira), contra o sistema financeiro nacional e praticado por organização criminosa. A pena é de três a dez anos de reclusão e multa. Na reforma, o governo quer ampliar esse rol para todos os crimes cuja pena seja superior a um ano. Dessa forma, crimes "menores", como assaltos a pessoas, roubos de residências, ou qualquer atividade destinada a lavar dinheiro obtido ilicitamente, serão tipificados pelas novas regras. Foram realizadas cinco reuniões na sede da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para definir o texto do projeto de lei. As reuniões têm sido longas, pois o governo quer quebrar qualquer tipo de dissenso entre os órgãos envolvidos no projeto, para facilitar a aprovação no Congresso. Os órgãos envolvidos são: Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, Banco Central, Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, Polícia Federal, Abin e integrantes do Judiciário e do Ministério Público. No projeto, haverá uma nova especificação de funções para cada órgão, de modo a tornar mais ágil a troca de informações entre eles. A lei atual é do governo Fernando Henrique Cardoso, época em que o combate à lavagem era liderado pelo Coaf. Hoje, a política é coordenada pelo Ministério da Justiça, que criou o DRCI, mas de forma articulada, com metas para cada órgão, sem centralização. O governo também estuda a definição na lei de meios para melhor equipar os órgãos com estrutura adequada para o combate a esse tipo de crime. Outro ponto fundamental é a instituição do confisco civil de bens de suspeitos. Vários países têm mecanismos para confiscar especificamente os bens suspeitos de lavagem, contou o diretor do DRCI, Antenor Madruga. No Brasil, o confisco é dificultado, pois é feito sobre todos os bens dos acusados e o sistema judicial facilita a proteção com recursos e liminares. "O importante é que, uma vez obtidas as provas, consigamos bloquear o dinheiro ilícito", explicou a secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas. A reforma processual também é uma prioridade para o combate à lavagem de dinheiro. O governo quer reduzir o número de recursos que favorecem a demora nas condenações. O processo contra o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, que desviou dinheiro da construção da sede do TRT, em São Paulo, está se tornando o símbolo de como o Judiciário atrasa a aplicação da lei no Brasil. "É um caso de anacronismo", definiu Madruga. "O processo não é julgado nem para absolver, nem para condenar", completou. Nicolau foi condenado em primeira instância, mas recorreu, em 2002. Desde então, a Justiça não define a situação do foro privilegiado do ex-juiz. A Justiça de São Paulo entendeu que, por ser juiz, Nicolau deveria responder a processo em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas o STJ decidiu que o caso deve voltar a São Paulo. "A defesa de Nicolau tem usado todos os tipos de recursos para protelar a condenação", afirmou a procuradora Janice Ascari, que atua no caso. Até agora, o governo conseguiu bloquear o dinheiro de um apartamento do juiz aposentado em Miami e uma conta na Suíça. Por outro lado, com a demora da Justiça e o excesso de recursos, o ex-juiz está próximo de se livrar de qualquer condenação. Janice conta que já prescreveram os crimes de formação de quadrilha e estelionato contra Nicolau. E em abril do ano que vem, prescrevem os crimes de peculato e corrupção passiva. Se ele não for julgado até lá, não poderá ser condenado. Ontem, o DRCI realizou um encontro entre integrantes do Ministério Público e delegados da Polícia Federal com autoridades dos Estados Unidos responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro naquele país. O objetivo foi mostrar aos brasileiros técnicas para a repatriação de bens desviados para os Estados Unidos. O procurador americano Jack de Kluiver explicou como conseguiu, em atuação conjunta com autoridades do Brasil, a repatriação de US$ 8,2 milhões desviados para os EUA pelo doleiro Antônio Pires de Almeida, suspeito no caso Banestado.