Título: Preço sobe e consumidor apaga o cigarro
Autor: Madureira , Daniele ;Bueno , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Empresas, p. B1

Mais do que prejuízo à saúde, o consumidor decidiu que o cigarro faz mal mesmo ao bolso. No ano passado, o aumento de 30% no Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) que incide sobre a categoria elevou o preço do maço e retraiu as vendas, cujo volume caiu pela primeira vez depois de três anos seguidos de alta. Só na rede paulista Sonda, que está entre as 20 maiores do país, a queda foi de 6,2% em 2007.

A despeito de toda a patrulha ideológica contra o fumo, entre os anos de 2003 e 2006 o consumo de cigarros cresceu no Brasil 7,3% em volume e 33,7% em valor, segundo a Nielsen. Mas no ano passado a história começou a mudar: queda de 1,4% em volume, para 4,98 bilhões de maços. É verdade que o varejo faturou 6,4% mais, registrando R$ 11,1 bilhões em 2007, mas a perda de fôlego na categoria é patente, com índices cada vez menores de crescimento. Em 2004, por exemplo, o salto havia sido de 15,7%.

As más notícias para a indústria do tabaco não param por aí. A base governista na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), discute a possibilidade de novo aumento do IPI sobre o cigarro, cujos recursos seriam destinados à saúde.

Além disso, está em apreciação na Comissão de Justiça da Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei de autoria do vereador e ex-fumante Arselino Tatto (PT), que impede o consumo de cigarros em locais fechados, o que deixaria os afeitos à fumaça do lado de fora de bares e restaurantes, por exemplo. Se o projeto se tornar lei, o paulistano - líder no consumo per capita do país, com 46,4 maços queimados ao ano - só estará livre para tragar nas ruas e praças da capital. Um desestímulo e tanto para quem já se sente incomodado de caminhar até os fumódromos.

No início do ano, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) já havia aprovado outro projeto de lei, este do vereador José Farhat (PTB), proibindo charutos, cigarrilhas e cachimbos em restaurantes da cidade. Ainda no âmbito paulista, o governador José Serra (PSDB), inveterado opositor da indústria do tabaco, desde a sua gestão à frente do Ministério da Saúde, sancionou este mês uma lei que multa em cerca de R$ 560 quem fume em repartições públicas, bancos, hospitais e escolas. Já no Rio de Janeiro, o prefeito César Maia (DEM) decretou proibição total ao fumo em qualquer ambiente fechado, seja público ou privado, a partir do dia 31, quando se comemora o Dia Mundial sem Tabaco.

Na data, será veiculado uma campanha na TV, produzida pela pela agência paulistana NovaS/B a pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao todo, 193 países devem transmitir o filme. Esta semana, foi apresentada uma outra campanha, esta encomendada pelo Ministério da Saúde, com fotos ainda mais chocantes que passarão a estampar o verso dos maços de cigarro a partir de fevereiro de 2009. Entre as cenas, o rosto de uma jovem mulher envelhecido precocemente, um pé com gangrena e um feto morto, de cera, em meio a bitucas de cigarro.

-------------------------------------------------------------------------------- Aumento de 30% do IPI sobre o produto no ano passado fez cair as vendas de cigarros nos supermercados --------------------------------------------------------------------------------

Dante Letti, presidente da Souza Cruz, líder no mercado brasileiro, classifica de "depreciativas" as novas imagens de advertência. Letti avalia que a nova ofensiva do governo terá impacto sobre a demanda, mas disse que o mesmo efeito poderia ser obtido com campanhas educativas. "As imagens não são informativas e buscam apenas denegrir o consumidor do produto", afirma.

Mais do que as campanhas anti-tabagistas, porém, fabricantes, varejistas e consultores concordam que o maior fator de contenção do consumo de cigarros no país está na combinação entre aumento de impostos e de preços. Para Roberto Moreno, diretor financeiro da rede Sonda e vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), além do aumento de preço, a queda no consumo de cigarros nos supermercadistas em geral está relacionada à mudança do lugar ocupado pela categoria na loja. "Antes, o produto ficava no check-out (caixa), era consumido muitas vezes por impulso", diz o executivo. "Mas com o aumento dos casos de roubo, os maços são vendidos em uma área reservada, normalmente no balcão de cheques dos supermercados", afirma Moreno, não-fumante convicto. "Sempre gostei de esportes", comenta.

O Sonda proíbe totalmente o fumo nas suas dependências: funcionários ou clientes não podem fumar nem mesmo no estacionamento das lojas. Na rede, o cigarro representa hoje cerca de 3% das vendas. "Há cerca de dez anos, chegava a 8%", diz Moreno, que também não aceita nem mesmo merchandising nos pontos-de-venda, único tipo de propaganda que é permitida a essa indústria.

Cada vez mais acuados, os fabricantes tendem a apostar em produtos premium. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Philip Morris vem testando latas de tabaco mastigável da marca Marlboro. "A saída para este mercado é investir na degustação de produtos voltados a quem pode pagar mais", afirma Adalberto Viviani, diretor presente da consultoria Conceptnet, que também vê uma mudança de comportamento. "Nos treinamentos que ministro para empresas, há cada vez menos jovens fumantes".

Na opinião do consultor Flávio Franceshetti, da Gouvêa de Souza & Associados, o cigarro ainda é um bom gerador de fluxo nas lojas de conveniência dos postos de gasolina. "Apesar de toda a diversidade de produtos, a categoria ainda representa cerca de 30% da venda desses pontos", diz.

Seja como for, o cerco vem se fechando, cada vez mais. Em tempos em que sustentabilidade se tornou palavra de ordem no discurso corporativo, investir em quem fabrica um produto considerado cancerígeno não cai bem. A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e maior investidor institucional da América Latina, por exemplo, decidiu não aplicar em fumo.

Um relatório da Link Corretora divulgado essa semana sobre a Souza Cruz, única empresa com capital aberto do segmento, reforça a recomendação para venda de ações da empresa. Citando dados do Ministério da Saúde - que aponta uma queda de 32% no consumo per capita de cigarros entre os anos de 1989 e 2004 -, o relatório da Link afirma que as ações antitabagistas, os altos impostos sobre o cigarro (aproximadamente 65%) e o aumento do comércio ilegal do produto são os principais fatores de riscos paras as empresas do setor, "mais precisamente para a Souza Cruz". Segundo o documento da Link, "os dados do Ministério da Saúde corroboram nossa expectativa de retração na demanda".