Título: Brasil está longe de ser paraíso da ética mas já se nota certo progresso
Autor: Torikachvili , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Empresas, p. B4

Zadek, da AccountAbility: soluções devem ter a ética como elemento norteador O Brasil ainda está longe de ser considerado um paraíso da ética, mas a adoção de códigos de conduta vem crescendo entre as empresas. "Antigamente a prática era corromper; hoje é combater", disse ontem Leonardo Machado, gerente de ética e conformidade da Wal-Mart. Entre 2006 e 2007 o Brasil subiu de 3,3 para 3,5 a sua nota no ranking ético, elaborado pela ONG Transparência Internacional, e cujo grau máximo é 10.

"Estamos avançando", afirmou o executivo. Em sua opinião, a política brasileira também dá mostras de progresso. "O ano de 2007 foi um divisor de águas na história brasileira. Levamos para o banco dos réus mais de 40 políticos importantes, que estão sendo processados", disse Machado, que ontem participou da 10ª Conferência Internacional do Instituto Ethos, em São Paulo.

Para o dirigente do Pacto Global da Organização das Nações Unidas, George Kell, os governos estão tão preocupados com suas ações regionais que não conseguem prestar atenção a questões globais. Abre-se, portanto, um espaço a ser ocupado pelo capital privado. "As empresas precisam reconhecer, em primeiro lugar, que a corrupção existe; só assim se quebra o tabu e passamos a enfrentar o problema de frente", diz Machado.

Criar condições para a preservação da vida como valor supremo orientou a participação do filósofo Mario Sergio Portella e de Simon Zadek, presidente da AccountAbility, que também participaram da conferência. Zadek citou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos para observar que as mudanças geopolíticas que aconteceram desde 1948 representariam um grande entrave para construir o mesmo documento. "Mas a humanidade não cria problemas para os quais já não tenha solução", rebateu Portella. E a solução pode vir justamente da área corporativa, disse. "A responsabilidade social empresarial é uma evidência da capacidade de recriar".

"Ética nas empresas não pode ser uma questão cosmética", disse ainda Portella. "É hora de contestar a máxima de muitas empresas que se orgulham de fazer qualquer negócio". Para o representante do Global Compact, é emblemática a participação de 5 mil corporações que se associaram à ONG, que adota princípios anticorrupção.

Resolver questões locais e enfrentar problemas globais não são experiências isoladas. Todas as soluções devem ter a ética como elemento norteador, segundo Simon Zadek. O preço elevado dos alimentos - uma questão global- coloca as empresas numa posição incômoda, particularmente as que se julgam socialmente responsáveis. "Como as empresas podem ser socialmente responsáveis e aumentam os preços dos alimentos? Elas penalizam justamente a população que garantem ter optado como símbolo de sua responsabilidade", propôs Portella.

-------------------------------------------------------------------------------- "Enquanto houver algum ato de corrupção, a concorrência será sempre desleal", diz Machado, do Wal-Mart --------------------------------------------------------------------------------

Para resolver essa questão, que pode ser local e global, Portella sugeriu que os governos dos países produtores assumam a liderança e estabeleçam estoques reguladores. "Durante a fartura a tributação diminuiria; em tempos de escassez seriam disparadas outras estruturas", disse o filósofo. "Alimento é tão sério quanto o poder do governo". O papel das empresas nesse caso, segundo Zadek, seria apoiar as comunidades de produtores com sementes, fertilizantes, informação e treinamento.

Zadek observou que, nessa questão, os países emergentes têm um papel determinante. "Fundamental é o grau de inovação para o bem comum", notou Kell. "O Brasil é importante nessa configuração; tem riquezas naturais e pode servir como exemplo de crescimento da população com aumento da classe média", disse. "Embora seja uma democracia jovem, o Estado parece decisivo, desde que não seja privatizado".

A economia, portanto, na opinião de Zadek, precisa humanizar-se. A importância de aproximar a economia das questões ambientais e sociais é essencial, na opinião de Kell. "Isso é uma questão de ética. E não há ética individual; a ética é coletiva", diz Portella. "Ética é o princípio de valores de convivência; moral é individual, como prática de valores".

Machado, do Wal-Mart, diz que a empresa americana desenvolveu um código de ética que norteia todas as ações nos 12 países ontem opera. "Nenhuma empresa deveria fechar os olhos para a falta de ética, para a corrupção", diz ele. "Reconhecer que isso é uma doença que precisa ser combatida pode ser um bom começo". Reconhecer e tomar providências são atitudes que devem ser tomadas pelo presidente da companhia. "O número um da empresa deveria assinar um documento colocando inclusive seus bônus em jogo, caso o código de ética não seja aplicado ou, pior, algum escândalo se revele em qualquer de suas filiais".

Além de ter a performance do presidente avaliada, a anticorrupção deveria ser uma questão de honra da companhia, segundo Machado. "Muitas vezes o funcionário que procura corromper alguma autoridade pública toma tal atitude para evitar que o problema exista", afirmou o executivo. "Nosso programa tem o objetivo de sensibilizar o funcionário para o fato de que corrupção é processo de curta distância" diz. "Enquanto houver algum ato de corrupção, a concorrência será sempre desleal, haverá pirataria, narcotráfico, lavagem de dinheiro e a empresa quebra".

O pacto anticorrupção já tem a assinatura de mais de 400 empresas. "Estão todas elas sintonizadas na máxima de que não se faz qualquer negócio em nome do crescimento", diz Machado. "Treinamos no Wal-Mart mais de 800 lideranças no combate cerrado à corrupção". Para ele, corrupção só existe entre o público e o privado, uma transação em que alguém recebe algo de valor em troca de algum benefício indevido.

Para resolver a questão delicada de liberar a empresa de qualquer ato de corrupção cometido em seu nome por meio de um elemento terceirizado, Machado acredita que a saída é uma lei semelhante à FCPA (Foreing Corrupt Practices Acts) aprovada em 1977 nos Estados Unidos. A FCPA penaliza diretamente a empresa que se envolve em suborno e atos de corrupção. Ainda que esses atos tenham sido cometidos em qualquer outro país onde a corporação tenha filial.