Título: Acordo sobre propriedade intelectual vai ditar rumo da negociação da Alca
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Legislação & Tributos, p. E2
O sucesso da retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) dependerá principalmente de um acordo sobre propriedade intelectual. Os Estados Unidos vão propor ao Brasil a inclusão de cláusulas que exijam o cumprimento da legislação anti-pirataria. O assunto é espinhoso para o Brasil, mas os EUA não aceitam discutir uma Alca puramente de acesso a mercados, sem menção à propriedade intelectual. A tentativa de retomar as negociações ocorrerá na semana que vem, numa reunião entre os co-presidentes da Alca, o americano Peter Allgeier e o embaixador brasileiro Adhemar Bahadian, nos dias 22 e 23. O sub-representante comercial dos EUA, Peter Allgeier, já deu sinais sobre a importância do assunto. Diante uma platéia de executivos numa palestra na Câmara de Comércio dos EUA, disse que não é do interesse dos americanos discutir um acordo bilateral ou outra negociação que se restrinja a acesso a mercados. A intenção americana, explicou, não é pedir ao Brasil compromissos maiores do que os que já foram assinados no acordo de proteção intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), o chamado acordo de TRIPS. "Queremos apenas cláusulas que determinem o cumprimento das obrigações do TRIPS", disse Allgeier. Os EUA já informaram que não pressionarão o Brasil para incluir no texto básico da Alca medidas adicionais de proteção à propriedade intelectual, como estão fazendo no caso da Guatemala em relação a patentes de remédios. Querem apenas incluir texto sobre o cumprimento da legislação. A simples menção de cláusulas adicionais de propriedade intelectual causa arrepios nos brasileiros. Segundo fonte diplomática brasileira, incluir a obrigatoriedade do cumprimento de TRIPS no texto do acordo da Alca pode dar margem a retaliações comerciais. "O problema é a maneira como esse compromisso estará expresso e a vinculação a possíveis retaliações", diz essa fonte. Outro diplomata brasileiro diz que o país "precisa estar seguro de que consegue fazer cumprir o compromisso, ou fica vulnerável a cobranças". De qualquer forma, sabe-se que violações a direitos de propriedade intelectual não resultariam em retaliações imediatas, mas teriam que passar por um painel de solução de controvérsias. Para Kelly Meimann, diretora-executiva da consultoria Kissinger McLarty, "se não houver nada no acordo além do que já está na OMC, é difícil conseguir apoio no Congresso". O envio ao Congresso do acordo entre EUA e América Central, por exemplo, está parado por uma discussão sobre propriedade intelectual na Guatemala. Grupos empresariais querem que os EUA exijam da Guatemala um prazo mínimo de 5 anos antes da abertura a produtores de medicamentos genéricos dos dados de testes clínicos. Sem estes dados, as fabricantes de genéricos não conseguem a aprovação para os medicamentos com base no mesmo princípio ativo. A Guatemala extinguiu recentemente esse prazo. No Nafta e no acordo bilateral acertado com o Chile, os capítulos de propriedade intelectual exigem que os países signatários forneçam dados sobre o importador do produto falsificado ao dono dos direitos sobre o produto pirateado. O dono dos direitos também tem que autorizar a doação de produtos pirateados apreendidos. O Judiciário dos dois países precisa ter o poder de impor multas ou pena de prisão a falsificadores, e indenizações às companhias afetadas. Mas é verdade também que ao fazer parte da OMC o Brasil já tem o compromisso de fazer cumprir a legislação de propriedade intelectual. Há um capítulo inteiro no acordo de TRIPS só sobre a forma de assegurar o cumprimento da legislação de propriedade intelectual. Um dos itens determina que os países coloquem à disposição dos donos dos direitos os dados dos processos judiciais contra pirataria e falsificação. Em alguns casos, os acordos bilaterais assinados pelos EUA apenas repetem cláusulas de TRIPS, como a de que a Justiça tenha autoridade para impor indenizações pagas ao detentor dos direitos da patente ou penas de multa e prisão a falsificadores. Uma das cláusulas afirma que os governos só ficarão isentos de medidas de compensação à parte prejudicada se comprovarem ter agido de boa fé. O texto é idêntico a uma cláusula do capítulo de propriedade intelectual do acordo Chile-EUA. O TRIPS tem um texto menos detalhado que os acordos bilaterais e há algumas salvaguardas para países em desenvolvimento. No texto da OMC, por exemplo, afirma-se que o Judiciário dos países nem sempre é obrigado a decretar uma apreensão, especialmente se o comprador não souber que o produto infringe direitos de propriedade intelectual. O segundo assunto polêmico é a agricultura, e neste caso o Brasil terá que primeiro assegurar a unidade do Mercosul. Nas últimas reuniões de negociação da Alca, no ano passado, a Argentina continuava exigindo dos EUA algum compromisso de redução de subsídios agrícolas ou compensação dentro da Alca. Os EUA só vão tratar de subsídios nas negociações da Rodada Doha. Desde a última negociação da Alca, as relações comerciais entre Brasil e Argentina deterioraram-se, com a adoção de medidas protecionistas contra produtos industriais brasileiros. Os analistas acreditam que a Alca terá melhores chances quanto melhor for o acordo de redução de subsídios na Rodada Doha. Na primeira reunião do grupo negociador na OMC, o representante americano sugeriu acelerar o ritmo das negociações para que até julho haja progresso substancial, e que já se chegue à reunião ministerial de Hong Kong, em dezembro, com um texto final. Um observador das negociações diz que os americanos estão "esperançosos, mas céticos" em relação à possibilidade de um acordo para concluir a Alca. Também há desconfiança do lado brasileiro, com mais uma negativa dos EUA em negociar acesso a mercados de maneira bilateral.