Título: Crédito seletivo
Autor: Oliveira , João Carlos
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2008, Negócios Sustentáveis, p. F1

"Poluição é desperdício", assegura Eduardo Bandeira de Mello, chefe do Departamento do Meio Ambiente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Assim, ser uma empresa comprometida com as melhores práticas socioambientais é também, em teoria, ser uma empresa mais eficiente, porque ela vai gastar menos água, menos matéria-prima ou menos energia que o concorrente para produzir um bem ou oferecer um serviço.

Uma empresa "verde" preocupa-se com custos - para poder reduzi-los. Daí porque, segundo a biológa Cristiane Ronza, analista de risco socioambiental do Banco Real, "a experiência indica que as empresas que utilizam boas práticas socioambientais têm também boa gestão, inclusive financeira." Ou seja, normalmente, essas companhias representam menos risco para quem lhes emprestou dinheiro. E risco menor deve pagar juro menor.

As linhas com o carimbo "verde" oferecidas pelo BNDES, e repassadas pelos bancos, têm condições especiais para apoiar a eficiência energética (Proesco), a redução dos passivos ambientais (como é o caso do Profloresta), além da que visa a melhorar a gestão de recursos naturais, fomentar obras de saneamento básico, de coleta e tratamento de dejetos ou projetos que promovam o desenvolvimento sustentável ou que viabilizam capital de giro para essas empresas. E, de fato, nessas linhas, os juros cobrados são de 1,5 a 2 pontos percentuais menores, em média, do que os praticados em outras formas de financiamento do BNDES.

No mercado privado, porém, não se sabe de modo preciso em quanto as taxas cobradas são menores para essas empresas. Uma das razões para isso é apontada pelo vice-presidente do Bradesco, Milton Vargas. "Os spreads apresentam estreita correlação com as condições de mercado, sendo muito difícil mensurar reduções ou aumentos decorrentes, especificamente, de riscos socioambientais", afirma.

Esse, no entanto, não é o único complicador para que se entenda corretamente o funcionamento desse segmento. O próprio tamanho do mercado também não é preciso. Tanto que Mello, do BNDES, promete fazer um estudo para dimensionar a fatia efetiva que o negócio ocupa.

Tudo se passa como se o mercado de crédito socioambiental no Brasil fosse parecido com um iceberg. Uma parte está fora d'água; a outra, um pouco maior, debaixo. A parte que emerge é a escriturada formalmente como crédito socioambiental pelos bancos; a que está submersa corresponde ao crédito concedido sob qualquer instrumento ou modalidade, mas que, para ser liberado, passou por um processo de avaliação de risco no qual o impacto socioambiental da companhia ou do empreendimento, quando for o caso, é um dos itens analisados. E o peso desse item pode aumentar.

Os números da parte visível são modestos. E os da parte submersa estão crescendo, já que a utilização desses modelos de mensuração de risco também ajuda a mitigar a possibilidade de perda para os bancos.

No ano passado, por exemplo, o Bradesco ofereceu 34 linhas com o carimbo socioambiental - sendo 11 repasses de recursos do BNDES e do FGTS. O total de crédito do banco somou R$ 2,3 bilhões, os recursos verdes correspondem a 1,77% da sua carteira total de ativos de crédito e financiamento. O Itaú analisou e participou diretamente de seis project finance nesse segmento, que somaram investimentos de R$ 4,1 bilhões - e a fatia que coube ao banco foi de R$ 349,9 milhões. Os project finance são, usualmente, sindicalizados.

No Real, o volume de crédito socioambiental teve crescimento de 290% na comparação entre 2006 e 2007 e somou R$ 848 milhões, entre recursos próprios e os originados por parceria com o IFC (braço do Banco Mundial) e com BNDES. No entanto, este dinheiro representa 1,5% do ativo total de crédito e financiamento da instituição.

No caso do BNDES, os empréstimos que são carimbados como ambientais representam em torno de 6% do total da carteira.

O BNDES foi um dos formuladores do chamado Protocolo Verde - assinado por todos os bancos federais, em 1995. No protocolo, as instituições se comprometeram a levar em conta os impactos ambientais e sociais em suas políticas de concessão de crédito, buscando construir o desenvolvimento sustentável do país e das empresas. Hoje, conta Mello, todos os projetos em avaliação do BNDES (que serão aprovados diretamente no banco), sem exceção e não importando o valor do crédito pedido, são analisados pelo Departamento de Meio Ambiente. "Caso a caso", diz. E não é incomum que se peça ou sugira modificações em processos que visem a melhor a governança socioambiental.

No próximo Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, os bancos federais vão anunciar o sucedâneo do Protocolo Verde, que está sendo revisto e aprofundado. Uma das possibilidades é a abertura para adesões dos bancos privados ao novo compromisso.

Também em junho, passam a vigorar as novas regras acordadas pelos bancos signatários dos Princípios do Equador. O Bradesco, o Itaú, o Unibanco e o Banco do Brasil aderiram ao acordo, enquanto o Real passou a utilizar os instrumentos previstos depois de ter sido adquirido por um dos bancos líderes do processo que culminou com os Princípios, o ABN Amro.

Pelos Princípios do Equador, os bancos signatários (hoje são 60 em todo o planeta e respondem por 70% dos projetos de financiamento fechados nos países emergentes) decidiram condicionar a concessão de crédito de projetos de financiamento à analise dos riscos ambientais e sociais de acordo com as exigências de sustentabilidade estabelecidas pelo IFC.

É a terceira vez que os bancos signatários revisam esse compromisso, que se traduz em mecanismos de avaliação dos melhores padrões socioambientais. O acordo foi criado em 2003 e previa que as regras deveriam ser seguidas em todos os projetos de valor superior ou igual a US$ 50 milhões; em 2006, o valor foi reduzido para US$ 10 milhões. A partir de junho, os bancos signatários vão passar a reportar suas ações efetivas em um documento de governança para todos os demais e para a sociedade. Em 2009, os bancos que não cumprirem os padrões mínimos serão desligados. Também se prevê que os parâmetros do IFC sejam revistos até lá e devem se tornar mais rigorosos.

O melhor conhecimento dessas práticas (as boas e as más) socioambientais e, claro, dos riscos que os bancos correm em termos de imagem e financeiro, acabaram consolidando um caminho que vai, aos poucos, "democratizando" a avaliação do risco socioambiental no sistema.

No grupo Itaú, conta Inês Silva, desde 2007, os processos de concessão de crédito a partir de R$ 5 milhões são submetidos à avaliação de risco socioambiental. No Itaú BBA, a área de análise é composta por equipe multidisciplinar formada por quatro profissionais. Já no Itaú, a equipe conta com cinco profissionais.

No Real, que foi pioneiro neste tipo de avaliação de risco e na formação de equipes multidisciplinares, há biológos, como é o caso de Cristiane, e até geólogos. A análise é setorial e o foco das atenções está voltado para 22 segmentos prioritários. Neles, a avaliação de sustentabilidade é feita para nortear o relacionamento com todos os clientes da instituição nos processos de crédito (qualquer crédito) que some R$ 10 milhões.

No caso do Bradesco, não há vetos setoriais. Mas o banco, conta Milton Vargas, acompanha mais detidamente "determinadas atividades de negócios que embutem maior potencial de risco (são 69 setores)".

No caso dos financiamentos que são concedidos sob o guarda-chuva dos Princípios do Equador, nos três bancos, o processo de avaliação é mais complexo, e prevê monitoramento periódico do cumprimento das metas acordadas. Cristiane conta que, por sugestão do banco, o Othon Leme, por exemplo, adotou medidas para tornar mais racional o uso da energia e da água. "O que, graças ao êxito, será replicado em outras unidades da rede", diz.

Quando os bancos são surpreendidos por notícias de práticas nocivas sociais (trabalho escravo) ou ambientais, não é possível pedir o dinheiro de volta. "Não existe amparo legal para solicitar a devolução dos recursos já liberados", afirma Vargas, para depois emendar que, normalmente, a primeira providência será a "suspensão dos eventuais limites não-utilizados", até que os esclarecimentos sejam prestados.

Todos reiteram, contudo, que o objetivo não é punir os clientes, mas o de criar instrumentos para que eles, com os bancos, possam trilhar esse novo caminho que, acreditam, tende a reduzir o risco de todos.