Título: Brasil precisa estar alerta para agenda "insidiosa" na OMC, diz Azevedo
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2008, Brasil, p. A2

O Brasil vai precisar estar cada vez mais está alerta para evitar a ampliação "insidiosa" da agenda da Organização Mundial do Comércio (OMC) que possa afetar a competitividade industrial brasileira, em meio ao reordenamento da produção global. É o que afirma Roberto Azevedo, subsecretário-geral de assuntos econômicos e tecnológicos do Itamaraty, que será sabatinado esta semana pelo Senado para ser o próximo embaixador do Brasil junto à OMC e outras organizações econômicas situadas em Genebra. O atual embaixador na OMC, Clodoaldo Hugueney, será embaixador brasileiro na China.

A tendência é de as regras da OMC terem impacto crescente sobre a competitividade, produção, emprego e renda do brasileiro, estima o embaixador. Ele prevê que uma das polêmicas futuras pode envolver mudanças climáticas, sobre custos da "descarbonizaçao" das economias - como as indústrias vão produzir com menor emissão de gases de efeito-estufa.

"Os países que mais poluem são os desenvolvidos, e descarbonizar suas economias tem um preço. Esses países não vão, provavelmente, aceitar que isso retire a competição deles. E vão procurar encarecer a produção dos outros países também", avalia o representante brasileiro.

"Embora aparentemente não tenha viés comercial, a questão climática tende a parar na OMC. Porque vão querer colocar taxas sobre os outros para equalizar o custo da descarbonizacao deles. Se sua indústria siderúrgica tem que pagar uma taxa adicional, vão certamente pressionar para que a indústria do Brasil e da China pague a mesma coisa, alegando que do contrário o aço deles vai sair mais caro. Como calcular essa taxa? Depende da qualidade da matriz energética. No Brasil, temos energia hidrelétrica, mais limpa, o que não é o caso de todo mundo", diz Azevedo.

O embaixador nota que a agenda sempre começa a ser delineada nos foros dos países desenvolvidos, como OCDE e G-8. "Depois do entendimento de como eles querem tratar o assunto, e como não pagarem a fatura, tentam levar o tema para a OMC de maneira meio camuflada", afirmou. Ele dá como exemplo o crédito à exportação na área industrial. Uma regra da OMC diz que o que for acertado na OCDE é automaticamente aplicado a todos os membros da OMC.

"A OMC talvez seja a única organização internacional que tem dentes, porque se o país entrar numa disputa, perder e não cumprir as determinações, está sujeito a retaliações", afirmou. "Muitas das questões polêmicas vão parar na OMC, sob pretexto de que estão relacionadas ao comércio".

Azevedo exemplificou que nos últimos tempos a OMC agiu em questões ambientais, como uso de pneu usado e uso de organismos geneticamente modificados; em questões de direito do consumidor, como rotulagem; em saúde animal e humana, em questões de propriedade intelectual etc. Além disso, países industrializados têm pressionado para incluir padrões trabalhistas no comércio.

Para o futuro embaixador em Genebra, o Brasil está preparado para enfrentar os desafios e não é a toa que faz parte hoje do núcleo central do processo decisório na OMC, mas será chamado a fazer mais. Estima que o país tenha capacidade de resposta rápida, em coordenação com o setor privado. "Agora, também há riscos, porque quando se está no centro das decisões tem que prestar contas para muita gente", alertou. "Não só dentro do país, para também para outros parceiros comerciais. A liderança vai ser questionada a todo o momento. É preciso reforçar o dialogo interno e externo. Não podemos apenas reagir bem. Precisamos propor bem, ser firmes na definição da agenda, como estamos fazendo em biocombustíveis".

Nesse cenário, Azevedo vê a Rodada Doha como essencial para corrigir distorções na estrutura produtiva global. "As rodadas sempre têm seu impacto. No passado, permitiram imensa produção de excedentes e isso concentrou a produção de alimentos numa meia dúzia de países desenvolvidos e nos emergentes mais extraordinariamente competitivos, que tem de competir com o tesouro americano, europeu, japonês."

O improvável é que ocorra também uma abertura significativa dos mercados dos países ricos, admite Azevedo. Mas ele avisou que o Brasil está "cobrando mais caro" para fechar um acordo agrícola em Doha. Brasília quer que os EUA se comprometam com corte maior dos subsídios. Na negociação de bens industriais, Azevedo lembra que os países ricos durante décadas desenvolveram sua indústria com proteção tarifária brutal, e considera "descabida" a pressão para os emergentes reduzirem suas tarifas ao nível dos ricos "da noite para o dia".

Hoje ou amanhã, o Brasil pode obter nova vitória contra os Estados Unidos na OMC na briga contra os subsídios ao algodão dados por Washington. Os juízes devem anunciar se os EUA implementaram corretamente suas recomendações para retirar subsídios que afetam produtores do Brasil. Se a resposta for negativa para os EUA, a próxima etapa dos juízes será arbitrar sobre o valor da retaliação pedida pelo Brasil contra os EUA, de pelo menos US$ 1,037 bilhão.