Título: Mudança de regras divide empresas do setor
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2008, Brasil, p. A4
Ivan Simões Filho, do IBP, sobre a urgência de uma decisão: "Se as licitações acabarem hoje, em 2015 não teremos nenhuma empresa explorando petróleo" Duas sessões no Congresso esta semana vão trazer à tona a discussão de um novo marco legal para o setor de petróleo e gás no Brasil e a polêmica em torno das reservas da área de Carioca, no pré-sal da bacia de Santos, onde o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, anunciou a existência de 33 bilhões de barris de petróleo. Esse volume equivale a quase três vezes as atuais reservas brasileiras, da ordem de 12 bilhões de barris, mas essas informações não foram confirmadas.
Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, marcada para amanhã, os presidentes da Petrobras, José Sergio Gabrielli ,e do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), João Carlos França de Luca, que também preside a Repsol YPF, vão debater o marco legal após as descobertas do pré-sal junto com Lima, da ANP.
O convite foi feito pelos senadores Aloizio Mercadante (PT-SP) e Renato Casagrande (PSB-ES). O objetivo é discutir o novo marco regulatório e a interrupção da 8ª Rodada de Licitações da ANP, além dos cálculos do IBP sobre a perda potencial em função do "atraso na discussão de um novo modelo tributário para o setor". A perda estimada é de até US$ 5 bilhões.
A discussão promete. Com todo o poder de fogo da empresa que dirige, Gabrielli vem defendendo mudanças no atual modelo - que é de concessão -, dizendo que ele embute retorno do investimento baseado em risco regulatório que não existe no pré-sal. O executivo mostra simpatia pelo sistema de partilha de produção, pelo qual o Estado recebe sua parte em petróleo ou o equivalente em dólares.
Na posição oposta, o IBP defende a manutenção do sistema atual, de modo que qualquer mudança seja feita nos decretos e leis que amparam a 9.478 (Lei do Petróleo). A posição já foi apresentada ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, para a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e para a ANP. Uma audiência com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, está para ser marcada. "A Lei do Petróleo é robusta. Ela tem flexibilidade para acomodar os volumes do pré-sal, os ganhos adicionais em função do aumento do preço do petróleo e também a percepção de menor risco exploratório", diz o geofísico Ivan Simões Filho, diretor do IBP.
Simões, que foi superintendente da área de licitações da ANP na gestão de David Zylbersztajn, acha que o país precisa levar em conta que os investimentos para desenvolver o pré-sal - o banco UBS estima que serão necessários US$ 600 bilhões apenas para os campos da bacia de Santos - são viáveis hoje, quando o petróleo atingiu a faixa de US$ 130 o barril, mas podem não ser viáveis no médio prazo, se o preço cair. "Esses investimentos podem não ocorrer na medida em que o preço do petróleo caia", afirma. Ele explica que a preocupação do IBP quanto a uma eventual discussão de uma nova lei é que ela demore para acontecer e não seja "tão boa" quanto a atual.
Em recente entrevista ao Valor, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, disse que a discussão do novo marco legal precisa levar em conta a melhor forma de usar os ativos petrolíferos do país. Isso inclui decidir o ritmo de extração dos recursos ou que sejam guardados como poupança para gerações futuras.
"Usar agora significa que precisamos investir em algo que fique para o futuro, como aplicar a renda em um fundo de desenvolvimento. Os cálculos iniciais, e não posso falar deles, mostram que o volume de dinheiro que entraria na economia se esse petróleo for explorado agora apontam para valores absurdos. É preciso analisar como isso seria absorvido pela economia. Então, além do modelo, é preciso discutir como aumentar a participação do Estado e aproveitar melhor os recursos", disse ele.
Ao defender a continuidade das licitações, o diretor da IBP lembra que os blocos do pré-sal, onde ocorreram as descobertas, foram leiloados em 2000. As primeiras descobertas são de 2006, o teste de longa duração de Tupi está previsto para 2009 e o piloto para 2010. E o campo poderá entrar em produção em 2015, ou seja, 15 anos depois de licitado. "Tupi vai substituir a produção de campos que hoje estão produzindo e vão entrar em declínio. Se as licitações acabarem hoje, em 2015 não teremos nenhuma empresa explorando petróleo no Brasil, inclusive a Petrobras, já que as áreas sem descobertas precisam ser devolvidas à ANP", afirma Simões Filho.
O IBP, que além das brasileiras representa as principais empresas estrangeiras que operam no país, entre elas Chevron, Exxon, Shell, StatoilHydro, BG, BP e Repsol, só para citar algumas, defende que nas licitações futuras o governo modifique apenas a estrutura de cálculo da Participação Especial (PE). Hoje, a PE tem alíquota máxima de 40%, que é cobrada sobre a receita líquida, descontados os investimentos e impostos, entre eles o royalty (de no mínimo 5% e no máximo 10% sobre o investimento), pago em uma fase anterior.
Para o cálculo da PE se obedece a critérios estabelecidos no decreto 2.705/98, que prevê a cobrança com base no lucro das empresas em campos de alta produtividade. O IBP vê espaço para mudança no critério, sugerindo que seja adotado o princípio da rentabilidade do campo e não o da produtividade. Essa mudança não requer alteração na Lei do Petróleo, e depende apenas de um novo decreto presidencial e de uma portaria da ANP.
No mercado, a avaliação é que uma modificação da legislação do porte da defendida pela Petrobras beneficia a própria estatal, que ganharia tempo para se organizar para fazer frente aos bilionários investimentos necessários nos próximos 30 anos para produzir petróleo nos campos do pré-sal que ela já encontrou nas áreas que opera sob o regime de concessão. Se as estimativas menos otimistas se confirmarem, a Petrobras terá controle sobre reservas da ordem de 50 bilhões de barris de petróleo e gás apenas no pré-sal da bacia de Santos. Existem ainda mais áreas sob seu controle no pré-sal das bacias de Campos e Espírito Santo.
O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), discorda dessas avaliações. Para ele, a Petrobras mostrou uma tremenda capacidade de resposta à concorrência desde a abertura do setor. "O Brasil e a Petrobras só têm a perder com o fim do sistema de licitações", diz Pires.
Na quarta-feira, De Luca (da Repsol YPF) e Gabrielli voltam ao Congresso junto com Luiz Carlos Costamilan, presidente da BG, dessa vez para uma audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara. Na pauta estão os impactos econômicos das descobertas. As empresas são sócias do campo Carioca, que teria os 33 bilhões de barris mencionados por Lima.