Título: A segurança jurídica e o sucesso econômico
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Em 30 de abril de 2008, o Brasil atingiu um marco importante, quando a agência de classificação de risco Standard & Poor's elevou a dívida soberana brasileira para grau de investimento - decisão tomada também pela Fitch Ratings na semana passada. A mudança significou uma recompensa ao governo brasileiro por ter feito escolhas macroeconômicas e fiscais responsáveis para proteger a integridade da economia. Entretanto, o Brasil não pode se acomodar só porque recebeu o "investment grade". Ele deve continuar a buscar uma política econômica sólida para proteger sua nova classificação e avançar. Para isto, o país deve continuar seus esforços para melhorar a qualidade do governo em todos os níveis e a observância do "rule of law" (estado de Direito), com foco permanente no fortalecimento da segurança jurídica.

O sistema jurídico independente do Brasil dá ao país uma vantagem sobre a Rússia, a China e até sobre a Índia no sentido de atrair investimentos estrangeiros. O sistema judicial nos outros países dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) é repleto de corrupção, interferência governamental, sigilo e/ou ineficiência.

Neste cenário, as contínuas melhorias no sistema jurídico fazem do Brasil um porto seguro para investidores em comparação com os seus companheiros Bric. Diferentemente da China e da Rússia, o Poder Judiciário brasileiro acabou de celebrar 200 anos de independência do governo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) permanece como uma defensora vigorosa do Judiciário contra a ingerência governamental. Além disto, o Brasil possui uma jurisprudência rica e vibrante, com raízes profundas no direito romano.

Da mesma forma, os tribunais brasileiros estão cada vez mais receptivos ao conceito de que as decisões devem respeitar precedentes. De fato, a lei que regulamentou a súmula vinculante em 2006 vai ajudar a agilizar o processo judicial, reduzir a carga de trabalho no Poder Judiciário e garantir uniformidade nas decisões. Neste mesmo aspecto, a Lei nº 11.672, de 2008, recentemente sancionada, se consolida também como um passo gigantesco na redução de recursos redundantes às instâncias superiores.

-------------------------------------------------------------------------------- As contínuas melhorias no sistema jurídico fazem do Brasil um porto seguro para investidores em relação aos Bric --------------------------------------------------------------------------------

Por outro lado, a lei brasileira de arbitragem e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer adjudicações de arbitragens estrangeiras é um incentivo a companhias estrangeiras a investirem no Brasil. Assim como a nova Lei de Falências, que permite que empresas com problemas se reorganizem oferecendo recursos significativos aos credores. A Standard & Poor's analisou cuidadosamente a nova Lei de Falência quando esta foi aprovada e, sem dúvida, levou-a em consideração quando chegou à sua avaliação geral de risco do Brasil.

Infelizmente, o resto do mundo está atrasado com relação ao Brasil na observância dos princípios de segurança jurídica. A American Bar Association (ABA), uma organização de filiação voluntária de cerca de 400 mil advogados, luta por promover o estado de Direito nos Estados Unidos e no exterior. Em parceria com ordens de advogados e outras importantes organizações de todas as nacionalidades, a ABA lançou o "World Justice Project" (WJP), um ambicioso programa para promover a segurança jurídica em todo o mundo.

O World Justice Project propõe uma definição funcional da segurança jurídica que compreende quatro princípios universais: 1) O governo, os governantes e agentes são puníveis sob a lei. 2) As leis são claras, divulgadas, estáveis e justas, e protegem os direitos fundamentais, incluindo a segurança de pessoas e propriedade. 3) O processo pelo qual as leis são promulgadas, administradas e executadas é acessível, justo e eficiente. 4) As leis são mantidas e o acesso à Justiça é dado por autoridades de combate ao crime, advogados ou procuradores e juízes competentes, independentes e éticos, que devem ser em número suficiente, ter recursos adequados e refletir a formação das comunidades às quais eles servem.

A ausência da segurança jurídica condena bilhões a uma vida caracterizada pela violência, pobreza, corrupção, doenças e ignorância. Como um guia para a melhoria, o World Justice Project está elaborando um índice de segurança jurídica que avaliará a observância dos países aos quatro princípios acima mencionados. Sua metodologia está sendo refinada e testada na Nigéria, Índia e Chile e nos Estados Unidos, com o objetivo de ter o índice operacional em 100 países em dois anos. Convidamos profissionais brasileiros de todos os setores a assumir um papel de liderança no World Justice Project e trabalhar dentro da sua estrutura para promover a questão da segurança jurídica no Brasil e no exterior. O mundo será um lugar melhor e mais seguro se o sistema puder ser fortalecido globalmente.

O Brasil, por exemplo, poderá otimizar sua própria posição competitiva ao continuar a abraçar os princípios associados à segurança jurídica para otimizar a segurança pública, reduzir a pobreza, eliminar a corrupção, agilizar o processo judicial, melhorar a saúde pública e aumentar o acesso a uma educação de qualidade. Agências de classificação certamente reagirão de modo favorável se o Brasil tiver uma boa pontuação no índice de segurança jurídica e irão premiar o país, melhorando sua avaliação. Isto, por sua vez, estimulará investimentos estrangeiros, fortalecerá a economia brasileira e criará prosperidade para os brasileiros de todas as classes econômicas nos próximos anos.

Stephen N. Zack é advogado, sócio do escritório Boies, Schiller, & Flexner, LLP de Miami, comissário do World Justice Project e o próximo presidente da American Bar Association (ABA), cargo que assume em agosto de 2009

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações