Título: Bancos ficam sem presidentes no Brasil
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini ; Campos ,Stela
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2008, EU & Carreira, p. D10

Parece ser apenas uma coincidência. Mas as não é. Pouco a pouco, diversos bancos estrangeiros estão passando a funcionar sem a figura do presidente para o Brasil, chamada em inglês de "country head". É a situação da Merrill Lynch, Morgan Stanley, Dresdner Bank e Deutsche Bank. O JPMorgan escolheu um presidente para o Brasil, mas que acumula o cargo de chefe para a América Latina e vai ficar entre São Paulo, Nova York e outros países da região.

Há um desinteresse crescente de executivos top em se manter na função, finda a temporada de pagamento de bônus referente aos lucros do ano passado. O status, o charme e o glamour de ser presidente de um banco estrangeiro no Brasil parece para alguns mais um canto de sereia em um ano em que o pagamento de bônus e a expansão no Brasil dessas instituições serão afetados pelos prejuízos de fora.

O sempre ágil Itaú BBA percebeu o movimento e fez uma proposta irrecusável para o jovem Alexandre Aoude, que deixou a presidência do Deutsche Bank para se tornar diretor-executivo do brasileiro, sob o comando do responsável pelo banco de investimento Jean Marc Etlin. O Deutsche Bank informa que está trabalhando ativamente na reposição de Aoude e nesse meio tempo opera em ritmo normal.

Ricardo Stern, de 45 anos, que acumulava os cargos de presidente do JPMorgan no Brasil e presidente do banco de investimento, simplesmente cansou da vida que levava e resolveu tirar um ano sabático, segundo colegas. Negociou um pacote atraente que tem causado inveja para presidentes de outros bancos de investimento estrangeiros. Muitos têm confessado a headhunters o interesse em pacotes semelhantes para ir para casa descansar. No seu lugar como presidente para Brasil está Nicolas "Gucho" Aguzin, também presidente do banco para América Latina, que agora vai passar três a quatro dias por semana em São Paulo e o resto entre Nova York e outros países da região.

Carol Carquejeiro/Valor Peebles, da área de finanças corporativas e mercado de capitais do Dresdner, diz que as grandes decisões vêm de fora Com estrutura matricial cada vez mais arraigada, na qual cada chefe de área no Brasil responde diretamente para um chefe mundial, alguns bancos passaram a considerar o cargo desnecessário e o cortaram explicitamente como forma de economizar custos, como o Dresdner. As funções até então exercidas por André Weber foram distribuídas para cada um dos chefes de área, inclusive a de representação junto ao Banco Central, sempre exercida pelo presidente no Brasil. Em compensação, o país passa a ser a sede regional do banco de capital alemão. Rodrigo Gonzalez, um dos chefes para a América Latina, está de mudança de Nova York.

Outras instituições financeiras alegam dificuldade em encontrar os executivos adequados, como é o caso do Morgan Stanley. Desde que Rodrigo Lowndes, hoje no Banco Espírito Santo, deixou o Morgan Stanley, no final de fevereiro de 2007, o cargo de presidente está vago. "Não temos pressa em preenchê-lo", disse certa vez ao Valor o responsável pela área de banco de investimento na América Latina, Charles Stewart. Segundo ele, o objetivo é procurar alguém que se encaixe na cultura do banco.

"Somos apenas um braço brasileiro de um grande conglomerado financeiro internacional, um satélite de algo maior", diz o responsável por finanças corporativas e mercado de capitais do Dresdner Bank no Brasil, Glenn Peebles. "As grandes decisões são tomadas lá fora", comenta. Mas, lá fora, a situação está feia para os bancos de investimento, por causa das perdas com hipotecas nos Estados Unidos e produtos de renda fixa relacionados. De uma forma geral, os maiores bancos têm sido forçados a levantar capital em uma situação desfavorável de mercado. "Há uma necessidade óbvia de economizar custos", comenta Peebles.

Essa necessidade contrasta com a capacidade dos "bankers" mais experientes em gerar negócios no Brasil em meio a uma economia que está "bombando", na palavra de um deles. Segundo a Thomson Financial, o total de fusões e aquisições anunciadas no Brasil chegou a US$ 43,365 bilhões nos primeiros quatro meses deste ano, mais que o dobro que os US$ 16,896 bilhões do mesmo período do ano passado. Enquanto isso, os números globais mostram queda de 32,5%, para US$ 955 bilhões.

O rentável mercado de emissões públicas iniciais de ações minguou, pelo menos por enquanto, mas deve ser retomado com o grau de investimento. E o movimento no mercado secundário de ações tem possibilitado boa rentabilidade às corretoras. O mercado de assessoria no lançamento de eurobônus também está à toda, com a melhoria da classificação do risco de crédito do Brasil. Desde o primeiro grau de investimento, no dia 30 de abril, já foram lançados quase US$ 4 bilhões por brasileiros. A área de private banking não pára de crescer, com o volume cada vez maior de milionários.

Neste momento de crescimento econômico no Brasil, diversos bancos estrangeiros tiveram de cortar ou parar projetos de expansão por decisão de fora, o que desagradou executivos de primeira linha. "A estrutura matricial vai esvaziando a figura do presidente para o Brasil", diz Alfredo Assumpção, presidente da Fesa Global Recruiters. "Ele vira a rainha da Inglaterra e opera menos junto aos clientes", afirma.

Segundo experiente diretor-executivo de um banco de investimento estrangeiro, há uma perda de autonomia do "country head" ou regional e um destaque maior na estrutura por áreas de produtos. "A figura do presidente não vai desaparecer, mas não terá o mesmo poder de mandar regionalmente como tinha há 30 anos", comenta Assumpção.

"Em alguns bancos ser presidente envolve responsabilidades de gestão, que são burocráticas, como atuar junto aos órgãos reguladores, Banco Central", diz Renato Furtado, diretor-executivo, responsável pela área de serviços financeiros da Russell & Reynolds Associates. "Isso acaba afastando o executivo do negócio", diz. O que pode significar até mesmo receber remuneração mais modesta do que o "head" de uma área específica, como capital market ou M&A.

Com estrutura matricial, a Merrill Lynch resolveu investir pesado no Brasil. Tirou Alexandre Bettamio do UBS Pactual, após 12 anos de trabalho do executivo na instituição suíça. Bettamio foi contratado para virar o responsável pelo banco de investimento da Merrill Lynch no Brasil. A forma como as negociações foram feitas, diretamente com a chefia da área de banco de investimento na América Latina, sem o envolvimento de Richard Rainer, o "head" do banco no país, desagradou a Rainer. Mas mostra como as estruturas matriciais tiram o poder do head local. Rainer, que - como Stern e Aoude - sempre teve o perfil de homem de negócios e não de "rainha da Inglaterra", negociou um pacote e deixou o banco. A presença de Bettamio reduziria seu espaço para negócios.

Por enquanto, são os bancos com presidente local forte e autônomo que têm liderado o mercado brasileiro: o Credit Suisse, o Citigroup e o UBS Pactual, sem falar do brasileiro Itaú BBA. O Credit Suisse têm mantido equipe estável e conseguido papel de destaque neste ano, liderando os importantes rankings de fusões e aquisições da Thomson Reuters Markets nos quatro primeiros meses do ano, à frente de US$ 30,458 bilhões em transações, com 70,2% do total. O Citi está em segundo lugar.

O presidente do Credit Suisse no Brasil, Antonio Quintella, tem forte autonomia, inclusive no pagamento de bônus, está crescendo seu pessoal em 10% com escritórios regionais. Sua corretora, sob o comando de executivo sênior Marcelo Kayath, é a primeira nos negócios no mercado secundário desde o final de 2007. O responsável para banco de investimento José Olympio Pereira, cria do Garantia e de volta ao Credit Suisse desde 2005, também tem papel de destaque.

O UBS Pactual também tem "head" para o Brasil, André Esteves, e forte autonomia. A área de gestão de fortunas, sob o comando de Eduardo Oliveira, está crescendo e contratando. Mas, o resto do banco vive um impasse: como Esteves não teve êxito em sua tentativa de comprar o UBS, eles e os demais ex-sócios do Pactual, que foi adquirido pelo UBS em 2006, querem sair e alegam que já cumpriram no primeiro ano as metas prometidas aos suíços para serem atingidas em cinco anos.

Segurar os três ou quatro executivos-chave em seus quadros tem sido um grande desafio para os bancos estrangeiros. Especialmente aqueles que contabilizam prejuízos fora. A saída tem sido renegociar os bônus de retenção, que no geral correspondem a ações para serem negociadas no prazo de três a quatro anos. Os bancos estão calculando o prejuízo que os executivos tiveram com a queda das suas ações e oferecendo um lote maior dessas ações para os próximos anos. Segundo um outro caça-talentos, na hora que as ações começam a despencar os executivos ficam com medo de ir trabalhar nos bancos.