Título: Renda fixa perde para a inflação no mês e no ano
Autor: Monteiro , Luciana
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2008, EU & Investimentos, p. D3

Passada a euforia com a elevação do Brasil à condição de grau de investimento, a taxa de juros tem tudo para concentrar as atenções dos investidores em junho. É quando pode ficar claro se o Banco Central (BC) pretende aumentar o ritmo de aperto monetário para conter a inflação e elevar mais uma vez a Selic, hoje em 11,75%. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne amanhã e quarta-feira e a maioria dos especialistas acredita na decisão de uma alta da taxa básica. Eles apenas divergem, no entanto, quanto à magnitude da elevação do juro, se de 0,50 ou 0,75 ponto percentual.

A inflação medida pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) encerrou maio em 1,61% e, no ano, já chega a 4,74%. Ao se analisar o ganho real das aplicações, ou seja, descontada a inflação, o que se vê é que boa parte dos investimentos acumula no ano perdas. Isso significa que o rendimento das aplicações, principalmente as de renda fixa, ainda não foi suficiente para superar a alta dos índices de custo de vida.

Em maio, até o dia 27, os fundos de renda fixa que podem aplicar em papéis prefixados registram ganho médio de 0,79% e acumulam no ano retorno de 4,57%. Mas quando se desconta a inflação, essas carteiras perdem 0,17% nos primeiros cinco meses de 2008. Apesar de esses números dos fundos ainda não levarem em conta o mês encerrado - já que faltam ser contabilizadas as cotas dos dias 28, 29 e 30 -, dificilmente a situação irá se reverter, visto que os retornos médios diários desses fundos fica na casa de 0,04%. Segundo levantamento do Valor Data, de 2002 para cá, quando houve a reclassificação dos fundos de investimento, esta é a primeira vez que essas carteiras apresentam perdas reais no período de cinco meses.

O mesmo acontece com os fundos DI, que compram papéis que acompanham a trajetória dos juros. No ano, essas carteiras rendem 4,21% em média, mas quando se leva em conta a inflação, o ganho se transforma em perda de 0,51%. Para os investidores da boa e velha caderneta de poupança, a perda é de 1,79%. Vale ressaltar que isso muda se levado em conta o IPCA. O índice que serve de meta para o governo acumula alta de 2,08% até abril (o acumulado até maio ainda não foi divulgado).

Mas, no caso do investidor, ele deve levar em consideração o IGP-M, avalia Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Plenus Gestão de Recursos e diretor do departamento de Relações Internacionais da ESPM-RJ. O investidor tem de olhar sempre o custo de oportunidade, ou seja, o que ele poderia ganhar em outra aplicação e não pode menosprezar o IGP-M, que pesa mais no bolso do consumidor, diz.

Segundo ele, hoje, dois fatores pesam bastante na vida do investidor: o primeiro é a taxa de administração e a segunda é a alta da inflação. "Toda vez que há espasmos de inflação tentamos mudar a regra do jogo", diz o executivo, lembrando que há uma corrente no mercado que acredita que o IGP-M não reflete adequadamente o comportamento dos preços no país.

Para tentar se proteger da alta de preços, o investidor pode buscar diversificação nos títulos atrelados à inflação. Atualmente, comprar papéis em IGP-M está mais difícil, já que o governo parou de emitir títulos indexados a esse indicador. Mas mesmo os papéis em IPCA, as chamadas Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) são indicadas para quem quer preservar o poder de compra e ter um percentual de ganho acima da inflação, diz Rogerio Betti, sócio do escritório de aconselhamento financeiro Beta Advisors. Na sexta-feira, as NTN-Bs com vencimento em agosto de 2010 pagavam taxa anual de 8,46%, além da variação do IPCA, segundo dados do Tesouro Direto, sistema de negociação via internet de títulos públicos.

Mas se isso vem acontecendo com a renda fixa, quer dizer que o melhor é investir em bolsa, que ganha da inflação no ano e deve ter boa performance por conta do grau de investimento? Não é bem assim. O Índice Bovespa está em níveis altíssimos e os economistas dizem que é preciso moderação. "É difícil neste momento achar o que comprar, pois tudo já subiu muito, mas bolsa sempre vale a pena com parcimônia", diz Betti.

Em maio, a bolsa foi o ativo com maior valorização e o Ibovespa teve alta de 6,96%, encerrando o mês aos 72.592 pontos. No ano, o retorno é de 13,63%, mas, levando-se em conta a inflação, esse ganho cai para 8,48%. De qualquer forma, um rendimento e tanto. "Mas o investidor que tentar, neste momento, dar um tiro de bazuca na bolsa para tentar acertar os melhores papéis para investir, vai se dar mal", diz Betti.

Para Walter Mendes, diretor de renda variável do Itaú, a comparação da bolsa com os juros não é tão simples. Apesar de ele acreditar que o Ibovespa possa chegar perto de 80 mil pontos no fim do ano, o que significaria um ganho de cerca de 10%, quase o mesmo dos juros, essa alta pode acontecer tanto em uma semana quanto em vários meses. "O mercado de ações independe do tempo, ele é mais ligado às perspectivas, não dá para comparar com juro."

Não seria surpresa o índice atingir os 80 ou 85 mil pontos no fim do ano, mas esse movimento de alta não será contínuo, alerta Marco Antonio Franklin, sócio da Paraty Investimentos. "O Brasil recebeu a nota de 'investment grade' de duas agências importantes e isso deve atrair um fluxo maior de recursos do exterior para os ativos de renda fixa e variável", diz. "O investidor não deve se preocupar tanto com a volatilidade de curto prazo, pois o país está no rumo certo e o risco é não ter dinheiro em bolsa", afirma.

Na visão do executivo, apesar da alta do Ibovespa, as empresas também entregaram bons resultados. "Para saber se a bolsa está ou não cara, o investidor costuma somente olhar o Ibovespa, mas é preciso levar em conta, por exemplo, que a Petrobras hoje não é a mesma de anos atrás", diz Franklin. O índice subiu, mas em termos absolutos, considerando o resultado das empresas, a bolsa brasileira não estaria cara, diz.

Mas e a crise internacional? Já acabou? Não é possível afirmar que pior já passou, mas muitos acreditam que a economia americana já dá sinais de recuperação. Franklin cita, por exemplo, o Índice de Volatilidade do Mercado (VIX), que mede a oscilação do referencial americano S&P 500. No início de 2007, o indicador estava em 12% e, no auge da crise, chegou a bater 35%, mas hoje está na casa dos 17%.

Maio também salvou a pátria dos fundos multimercados, já que o "investment grade" atribuído pela Standard & Poor's deu uma boa oxigenada nessas carteiras, diz Betti, da Beta. "Muitos fundos que perdiam do CDI no ano conseguiram reverter a situação e já ganham do indicador", conta. Em termos nominais, o CDI encerrou maio em 0,87%, mas no ano registra perda real de 0,32%.

Os fundos Petrobras deram um show à parte em maio. A descoberta de novas reservas de petróleo, o reflexo do aumento no preço da gasolina e o petróleo, que chegou a US$ 135 o barril, turbinaram as ações da estatal. Como resultado, os fundos compostos somente por papéis da Petrobras apresentam ganhos nominais de 17,69% até o dia 27. Isso não leva em conta, no entanto, a queda de 3,04% dos papéis ordinários (ON, com direito a voto) entre os dias 28 e 30. No ano, o retorno era de 13,79%. Já os fundos de Vale registravam, até o dia 27, rendimento de 2,95% em maio e ganho de 10,70% no ano. Os percentuais não consideraram a queda de 1,03% dos papéis ON da mineradora nos dias 28, 29 e 30.

O dólar fechou maio em queda de 2,16% e no ano perde 8,38%. Com a perspectiva de mais investidores estrangeiros vindo para o Brasil, a expectativa para o dólar é estável ou para baixo", diz Betti, da Beta.