Título: Câmara afrouxa limites de lei fiscal
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2008, Câmara afrouxa limites de lei fiscal, p. A7

Henrique Fontana (PT-RS): líder governista, autor de emenda ao projeto, não vê sentido na proibição de Estados e municípios reestruturarem suas dívidas A Câmara dos Deputados afrouxou as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para permitir que Estados e municípios com excesso de gastos de pessoal obtenham crédito novo ou reestruturem dívidas já existentes junto ao sistema bancário ou organismos internacionais. Apresentado pelo governo, o projeto de alteração da LRF foi aprovado com uma emenda, no final da noite de quarta-feira. Se a proposta for aprovada também pelo Senado, para onde segue agora, essa será a primeira tentativa bem sucedida de modificação da LRF desde a sua sanção, em maio de 2000.

A atual versão da lei não permite a contratação de empréstimo nem para fazer investimento novo nem para pagar operações de crédito antigas (reestruturação), caso as despesas com pessoal superem o limite estabelecido na LRF em relação à receita corrente líquida anual. O percentual máximo é de 60% da receita, para Estados e para municípios. Além disso, há sublimites por Poder e para o Ministério Público.

O projeto original já removia parcialmente essa restrição no caso de contratação de crédito novo, ao dispensar a observação de sublimites pelo Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Basta que o Poder Executivo do Estado ou município interessado cumpra a sua parte. Nesse ponto o projeto foi mantido.

A emenda incluída na votação de plenário, anteontem, flexibiliza ainda mais a LRF, ao remover totalmente a exigência de cumprimento do teto de gastos com servidores, inclusive para o Executivo, especificamente no caso reestruturação de dívida. A emenda foi apresentada pelo líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), e recebeu apenas um voto contrário. A favor dela votaram 324 deputados. O texto base recebeu ainda mais apoio, com 342 votos favoráveis e nenhum contra.

O líder governista entende que não faz o menor sentido proibir Estados com problemas financeiros de reestruturar dívidas para aliviar sua situação de caixa. E um dos principais indicativos de problema financeiro é a dificuldade de reduzir gastos de pessoal como proporção da receita. Na opinião de Fontana, esse é um dispositivo da LRF que vai contra o interesse público justamente quando a conquista do grau de investimento pelo Brasil tende a melhorar as condições de crédito, propiciando prazos mais longos e juros mais baixos do que os pactuados nas atuais dívidas. A grande maioria das dívidas antigas, acredita o líder, foi contratada em momentos menos favoráveis da economia, certamente a custos superiores aos que podem ser obtidos agora.

Consultores legislativos ouvidos pelo Valor, porém, vêem na emenda potencial aumento de problemas fiscais. Eles avaliam que o texto abre espaço para que os atuais governantes apenas empurrem dívida para frente, adiando o problema, via alongamento de prazos, sem necessariamente reduzir custos relacionados a juros. Em tese, havendo redução do fluxo mensal de pagamentos, a reestruturação pode se dar até com juros mais altos, afirmam. Fontana discorda e não vê qualquer espaço para aumento de taxas. Mas admite que pode haver alongamento sem redução de juros, o que, no seu entender, já seria bom, por aliviar o fluxo mensal de pagamentos.

A remoção de restrições promovida pelo projeto vale não só para que os Estados e municípios obtenham sinal verde do Tesouro Nacional para contratar ou reestruturar dívida. Vale também para obter aval da União, o que é preciso no caso de empréstimos internacionais. Embora a palavra final seja do Senado, pela LRF, cabe à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) analisar previamente os pedidos de Estados e municípios para contratar empréstimo no país ou exterior. Se as exigências prévias - entre elas, hoje, as relativas a pessoal - não forem cumpridas, o processo sequer é encaminhado aos senadores.

Por causa das despesas com pessoal, diversos Estados já tiveram seus pedidos negados pela STN, entre eles, Rio Grande do Sul, cuja bancada foi a que mais se mobilizou em favor do projeto, defendido tanto pela governadora Yeda Crusius (PSDB) quanto pelos seus opositores no Estado. Os demais são Pará, Maranhão, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Goiás, Amapá. Rondônia e Roraima, além do Distrito Federal. Justamente por constatar que o descumprimento do limite está localizado em outros poderes ou Ministério Público, a STN propôs e o governo enviou, em 2007, o projeto votado ontem pela Câmara. Por causa da independência e autonomia dos poderes, os governos estaduais não conseguem obrigar os demais poderes a se enquadrar nos limites de gasto com pessoal. Então, o governo federal não acha justo que os Executivos sejam punidos com proibição de contratar empréstimos nem com suspensão de repasse de verbas federais, outra sanção retirada pelo projeto votado ontem. Essa punição passa a ser específica para o Poder que descumprir o limite.