Título: Insegurança aliada levou a adiamento
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2008, Política, p. A7

O governo adiou para terça-feira a votação, na Câmara, do novo imposto do cheque, uma CPMF batizada agora de Contribuição Social para a Saúde (CSS). Alguns líderes insistiam em votar o projeto na noite de quarta-feira, mas ao detectarem que a margem de votos para a aprovação do tributo estava muito apertada, optaram pelo adiamento. Questões eleitorais, pedidos de liberação de emendas e desconfianças com a destinação dos recursos arrecadados atrapalharam o governo.

A proposta prevê uma alíquota de 0,1% sobre as movimentações financeiras, o que renderia quase R$ 10 bilhões. Durante toda a quarta-feira, os líderes do PT, Maurício Rands (PE), do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), e do governo na Câmara, Henrique Fontana (RS), trabalharam para tentar emplacar o novo tributo. A estratégia escolhida foi incluir a CSS no projeto de lei complementar de regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, que obriga o governo a repassar mais recursos para a Saúde.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, do PMDB, participou ativamente das articulações para convencer a bancada de seu partido a votar unida a favor do imposto. Duas reuniões em seu gabinete debateram a CSS com nove deputados pemedebistas. Na segunda, ele apresentou uma lista de programas e projetos a serem beneficiados pelo novo tributo. Com a assinatura do ministro, o documento foi levado por Eduardo Alves a reuniões do PMDB e de outros partidos.

Mesmo com a participação de Temporão, muitos pemedebistas resistiam votar a favor do texto. A grande questão era o temor de que a arrecadação do tributo fosse desviada de sua finalidade, como o foi a própria CPMF. "Havia extrema desconfiança do que se faria com o dinheiro", reconhece o líder Eduardo Alves. O próprio vice-presidente da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), anunciava voto contrário ao tributo.

O último partido da base aliada a aderir à CSS oficialmente foi o PR. O partido exigiu que o tributo só começasse a vigorar em 2009 e pediu isenção para aposentados e pensionistas. O governo aceitou o pedido. Mesmo assim, o partido não aderiu totalmente à proposta. No início da noite, o líder Luciano Castro (RR) garantia 30 votos dos 42 do partido.

Mas não era só o PR que complicava a vida dos articuladores do novo imposto. Na base aliada, só PT, PCdoB e PDT tinham quase a unanimidade em torno da proposta. O PP contava pelo menos dez parlamentares descontentes com o novo tributo. "Ninguém quer justificar aumento de imposto em ano eleitoral", disse um deputado da legenda. Foi por essa razão que o PR pediu que o tributo só começasse a valer a partir de 2009.

Os miúdos PSC e PV, com 12 e 14 deputados respectivamente, tinham as bancadas mais reticentes. Nas conversas de bastidores, deputados das duas bancadas reclamavam a falta de liberação de emendas parlamentares ao Orçamento. Cobravam tratamento melhor do governo a alguns integrantes das duas bancadas. "O PV e o PSC poderiam até não votar contra. Mas muitos ficariam na abstenção se a votação fosse ontem, o que dá na mesma. Seriam quase 26 votos a menos para o governo", revela um deputado verde. Quanto mais os governistas demorarem a aprovar o texto, mais abrirão concessões aos partidos da base na busca de apoio.

Para se aprovar um projeto de lei complementar, são necessários 257 votos no plenário. Às 20h de quarta-feira, os governistas contabilizavam 271. Apesar da vantagem, não se encorajaram a votar. A margem foi ficando cada vez menor à medida que o relator da proposta governista, deputado Pepe Vargas (PT-RS), tinha dificuldades em redigir um texto final com as exigências de todos os partidos.

"Ainda não há conhecimento sobre todos os detalhes da proposta. Com delongas na obstrução provocadas pela oposição, iríamos começar a discussão da regulamentação da Emenda nº 29 muito tarde", justificou Maurício Rands. Há informações na Câmara de que o texto foi preparado fora da Casa (provavelmente no Ministério da FAzenda), esta seria a razão do desconhecimento dos seus termos.

A oposição comemorou o adiamento. A esperança dos deputados do PSDB, do DEM e do PPS é que o alongamento do tempo faça com que as pressões externas influenciem cada vez mais os parlamentares. Acreditam que o clima, na próxima semana, será ainda pior para a base aliada conseguir aprovar a nova CPMF, imposto extinto pelo Congresso há apenas cinco meses.

Ontem mesmo a pressão começou a aumentar. "Na quarta-feira, eu não tinha recebido praticamente nenhum e-mail sobre o tema. Hoje (quinta), quando fui ver meus e-mails no gabinete, pela manhã, eu já tinha recebido 30 mensagens de protesto", revelou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que vai votar contra o tributo. "Não vamos ser o patinho feio. E se a gente aprova a CSS aqui e o Senado derruba de novo?", completou.