Título: Perfil da produção difere do de 2004 e dá fôlego à indústria, aponta CNI
Autor: Galvão , Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Brasil, p. A2

As horas trabalhadas na indústria vêm aumentando, desde o segundo trimestre de 2007, em velocidade superior ao do uso da capacidade instalada (UCI), o que indica maior fôlego para atender à crescente demanda. Essa é a principal conclusão da análise preparada pelos economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para reforçar a contestação ao aperto da política monetária.

O trabalho usou a relação desses dois indicadores em dois períodos que têm, em comum, o aumento das taxas de juros pelo Banco Central (BC). De agosto de 2003 a agosto de 2004, o forte crescimento econômico veio após um período de recessão, o que provocou atraso nos investimentos e, consequentemente, levou preocupação aos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) quanto ao alto uso da capacidade. Naqueles 13 meses, os economistas da CNI ressaltam que houve expressivo aumento de 4,4 pontos percentuais no uso da capacidade instalada: de 78,2% (agosto de 2004) para 82,7% (agosto de 2004).

No período mais recente - janeiro de 2007 a janeiro de 2008 -, a elevação do uso da capacidade instalada da indústria foi de apenas 1,7 ponto percentual: de 81,3% para 83%. A CNI procurou deixar claro que o contraste que marca essas duas fases é o perfil do investimento. Em 2006, a economia voltou a crescer gradualmente, o que sinalizou aos empresários que era interessante recuperar o nível de investimento. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a formação bruta de capital fixo ampliou-se 10% em 2006 e, a partir dessa base mais alta, cresceu 13,4% no ano seguinte. Nos últimos vinte anos, não houve um período de dois anos consecutivos com o investimento aumentando à taxa de dois dígitos.

O gerente de Pesquisa, Avaliação e Desenvolvimento da CNI, Renato da Fonseca, conclui que é clara a maturação de investimentos em 2007 porque as horas trabalhadas (atividade) crescem e o uso da capacidade fica praticamente estável. "O aumento da taxa básica de juros deprime o investimento e pode levar à interrupção do atual ciclo de aumento da capacidade da indústria", adverte.

Na avaliação dos economistas da CNI, a oferta está se expandindo em velocidade suficiente para evitar um acirramento da inflação. Nesse ambiente, não há pressões do setor sobre os preços.

Fonseca admite, contudo, que o mundo enfrenta uma mudança de preços relativos e isso significa mais inflação. As cotações das commodities agrícolas, do aço e do petróleo são os três melhores exemplos. Mas ele também pondera que a economia brasileira não é mais tão indexada e o melhor remédio, dentro da conjuntura atual, seria reduzir os gastos públicos e não aumentar os juros. "Cortar despesa do governo tem impacto imediato na demanda porque boa parte dela não é investimento, mas gasto corrente. É preciso mais coordenação entre governo e Banco Central", afirma.

O economista insiste que a expectativa de juros mais altos deprime o investimento e pode interromper o salto de capacidade que está em pleno andamento na indústria. Para ele, a principal diferença entre o que ocorre atualmente e o que aconteceu em 2004 é que, agora, o investimento começou a acelerar antes de a economia iniciar o forte crescimento. "Isso permitiu que os efeitos sobre a capacidade produtiva se fizessem presentes no início da forte expansão", adverte Fonseca.

O indicador de uso da capacidade instalada mais recente divulgado pela CNI mostra que, em março, o nível médio da indústria era de 83,1%, pouco acima dos 83% de fevereiro. Entre 19 segmentos, os maiores índices de UCI eram de metalurgia básica (92,5%), veículos automotores (91,5%), papel/celulose (89,6%), minerais não-metálicos (85,9%), couro/calçados (85,8%) e têxteis (85,3%). Na parte de baixo da lista, vieram material eletrônico e de comunicação (70,4%), edição/impressão (73,3%), produtos químicos (76,2%), alimentos/bebidas (79,2%), madeira (79,8%) e refino/álcool (81,1%).

As indústrias de cimento integram um dos segmentos que vêm sendo acompanhados pelo Ministério da Fazenda. A preocupação é se eles têm capacidade para atender ao aumento da demanda. Os outros são, siderurgia, bens de capital e veículos automotores. O secretário-executivo do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), José Otávio Carvalho, informa que uma folga nas fábricas somente será obtida em 2010.

Ele relata que o setor da construção civil vem sendo bastante estimulado, principalmente no segmento habitacional. Desde 2006, esse aquecimento da demanda fez com que os dez grupos que produzem cimento no país retomassem investimentos e reativassem unidades que tinham sido fechadas.

O exemplo do cimento justifica o temor da CNI. Juros altos desestimulam investimentos para aumentar a capacidade produtiva. Segundo Carvalho, de 1999 a 2006, a recessão provocou deterioração de preços do cimento e aumentou a pressão dos custos de seus principais insumos: coque do petróleo, calcário e energia elétrica. "O aperto monetário do BC, nesses anos, não deu perspectiva de recuperação do mercado para os fabricantes de cimento", diz. A economia, no entanto, voltou a crescer com vigor e Carvalho comenta que, no segundo semestre de 2007, chegou a faltar de cimento em algumas localidades. A capacidade instalada do setor é de 63 milhões de toneladas por ano.