Título: País vence disputa por algodão e pode retaliar EUA
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Brasil, p. A4

O Brasil ganhou definitivamente na Organização Mundial do Comércio (OMC) o direito de retaliar os Estados Unidos devido aos subsídios americanos ilegais aos produtores de algodão. Ainda neste ano, a OMC decide que tipo de retaliação será permitida ao Brasil, que reservou o direito de aplicar até inéditas represálias contra direitos de propriedade intelectual de empresas dos EUA. Tanto o governo quanto os produtores brasileiros de algodão dizem preferir, em lugar de sanções, que os EUA aceitem acabar com os subsídios ao algodão, na Rodada Doha de negociações comerciais na OMC.

"Não há mais espaço para questionamento dos EUA: ganhamos mesmo o contencioso", resumiu o subsecretário-geral para assuntos econômicos e tecnológicos do Itamaraty, Roberto Azevedo. "A decisão nos respalda nas negociações de Doha", comemorou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, que financiou os custos de US$ 3,5 milhões do processo na OMC. O setor privado lamenta, porém, que a recém-aprovada lei agrícola dos EUA mantenha os subsídios proibidos ao algodão (os congressistas cortaram em 1,6% o preço mínimo garantido pelos subsídios, mas criaram um "incentivo" de US$ 0,04 por libra para os fabricantes).

A manutenção dos subsídios, pelos americanos viola as regras internacionais de comércio, como assegurou o órgão de apelação da OMC, na decisão divulgada ontem - saudada "com grande satisfação" pelo Brasil segundo nota oficial do governo. Os Estados Unidos, devido às queixas do Brasil, chegaram a eliminar um dos programas, conhecido como Step 2, e fizeram mudanças administrativas em outros, mas, para a OMC, os subsídios à exportação continuam desrespeitando as regras da organização e o apoio interno aos produtores dos EUA causa graves prejuízos ao Brasil.

O governo brasileiro espera que a OMC adote a decisão do órgão de apelação até 22 de junho, quando o Brasil deverá entrar com um pedido para que os árbitros da organização definam o valor e as modalidades de retaliação permitidas, o que deverá acontecer em até 90 dias. Os cálculos iniciais dos produtores e do governo brasileiros apontavam para retaliações próximas a US$ 4,1 bilhões, que podem ser aplicadas sob a forma de elevação de tarifas para produtos importados dos EUA ou suspensão de direitos de propriedade intelectual. Os ministérios das Relações Exteriores e da Agricultura concordam que as retaliações devem, de preferência, trazer benefícios ao setor têxtil.

Segundo Cunha, da Abrapa, os produtores imaginam que o governo poderia retirar o pagamento de royalties sobre variedades de algodão (cultivares), sobre insumos ou tecnologias de produção. Ele comenta que há diferentes pontos de vista, no próprio governo, sobre as retaliações aos EUA. Enquanto o Itamaraty pesa com maior preocupação os possíveis efeitos negativos das retaliações, o Ministério da Agricultura é favorável a medidas mais severas, inclusive com a quebra de patentes.

Roberto Azevedo garantiu que o governo tomará todas as ações necessárias para cobrar dos EUA o cumprimento da decisão da OMC. A concordância com o fim dos subsídios, na Rodada Doha, poderia pôr fim ao contencioso, disse. Não há decisão ainda sobre as medidas de retaliação ou a data para serem aplicadas, informou.

Azevedo rejeitou as alegações, nos EUA, de que os altos preços atuais no mercado de algodão tornam inócua a condenação aos subsídios, que não têm sido acionados pelo governo. "O que interessa é o funcionamento do programa, que distorce as condições de produção e os preços internacionais", argumenta.