Título: Para Brasil, subsídio agrícola causa destruição em massa
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Internacional, p. A11

Depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter falado em "guerra comercial" na defesa do etanol, ontem foi a vez de o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acusar os subsídios agrícolas dos países ricos de ser "a principal arma de destruição em massa, a que mais causa fome no mundo", e não os biocombustíveis.

A declaração de Amorim ocorreu pouco depois de o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, ter dito ao presidente Lula que desejava evitar uma "excessiva politização" da Conferência Mundial sobre Segurança Alimentar, Mudança Climática e Bioenergia, que começa hoje, em Roma.

Ban Ki-moon quer concentrar esforços na primeira resposta global à alta de 71% nos preços dos alimentos nos últimos dois anos, argumentando que a crise pode se estender e ameaçar a segurança global.

Na conversa com o secretário-geral da ONU, no Palácio Pamphili, prédio da embaixada brasileira, o presidente Lula respondeu que o Brasil deseja um debate científico sobre o uso do etanol, em vez de repetição de posições de apenas um ou outro setor, numa aparente referência ao lobby do petróleo.

Lula quer demonstrar que o país é parte da solução, e não do problema, ao ser grande produtor de grãos e ter aumentado a produtividade. Para Amorim, politiza o debate quem "esquece que há subsídios agrícolas e impacto do preço do petróleo [sobre a alta dos alimentos]".

Além de apontar os subsídios agrícolas dos ricos como uma das razões da crise alimentar atual, que desmantelou as agricultores dos países em desenvolvimento, o presidente Lula vai ilustrar com o impacto do petróleo no Brasil, onde essa matriz energética só representa 46% do total. Segundo o governo, o petróleo representa 30% do custo de produção dos alimentos no país. Cada aumento de R$ 1 no preço de fertilizantes significa alta de R$ 1,60 no produto final.

Diferentes estudos calculam que a expansão da produção de biocombustíveis representa entre 10% e 30% da alta dos preços mundiais de alimentos. As cifras foram contestadas ontem pelo secretário de Agricultura dos EUA, Ed Schafer. Para os EUA, a expansão de biocombustíveis só pesaria entre 2% e 3% nos preços dos alimentos. O secretário defendeu a produção americana, martelando que a exportação de milho do país fez foi aumentar nos últimos dez anos.

A declaração final da conferência, em negociação entre os países, mostra sobretudo um alto grau de divergências ainda. O texto deve reiterar o compromisso de os países alcançarem segurança alimentar e reduzir pela metade o numero de subnutridos até 2015. E considera "inaceitável" que 845 milhões de pessoas continuem famintas no mundo hoje.

O documento delineia três tipos de ação que a comunidade internacional deveria adotar. A primeira, a mais urgente, é para dar assistência aos 30 países onde a população saiu às ruas contra os preços. A segunda é o apoio imediato para melhorar a produção agrícola e facilitar o comércio. Jacques Diouf, o diretor-geral da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), estima que sao necessários US$ 30 bilhões por ano, dez vezes mais do que previsto inicialmente, para ajudar a resolver a crise alimentar global. A terceira linha de ação é de médio e longo prazo, incluindo alta de investimentos de para melhorar produtividade e abastecimento.

Persiste a divergência sobre menção ao etanol. O Brasil saiu ligeiramente do isolamento ontem com o apoio dado pela Argentina. A presidente Cristina Kirchner foi conversar com Lula e apoiou a tese brasileira contra os subsídios agrícolas dos ricos, acusados de serem a principal causa do desastre agrícola nos países pobres.

A própria Argentina, por sua vez, está sob pressão na conferência. O secretário-geral da ONU vai conclamar pela derrubada imediata de todas as restrições comerciais e taxas agrícolas, segundo assessores da entidade. O texto de declaração final do encontro também insiste nesse ponto. Mas Buenos Aires já sinalizou que, nesse caso, não respalda o texto.

As visitas ontem a Lula na embaixada brasileira, localizada na Piazza Navona, agitaram esse centro turístico de Roma. Cristina Kirchner chegou 15 minutos adiantada e resolveu esperar num café. Na saída, atravessou a praça em meio a multidão. Chegou a acreditar que ouvia elogios como um grito de "aguenta Argentina". Na verdade, era um protesto contra o braço de ferro do governo com agricultores.

Cristina e Lula discutiram sobre alimentos, mas não sobre a decisão argentina de suspender a exportação de trigo para o Brasil.