Título: Um sinal de alerta contra a corrupção generalizada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Opinião, p. A12
A política tem sido sistematicamente desviada para as páginas policiais dos jornais. Nas últimas semanas, o resultado de operações da Polícia Federal (PF) no Rio e denúncias formuladas a partir delas pelo Ministério Público formam um mosaico onde aparece, de forma clara, como um Estado pode ser apropriado como um bem privado por grupos políticos.
A Operação Segurança Pública S/A escancarou ao público uma rede que teria sido comandada pelos ex-secretários de Polícia Civil dos ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Mateus (PMDB), no Rio - os delegados Álvaro Lins e Ricardo Hallak. O esquema envolvia a colocação de policiais do grupo em delegacias-chave para facilitar a vida do jogo do bicho e das máfias de máquinas caça-níqueis. A documentação obtida pela PF, que sustenta a acusação da Procuradoria Regional da República, aponta contribuições dos contraventores para o caixa dois de campanha da governadora Rosinha Matheus (que se elegeu em 2002) e para o próprio Lins, eleito deputado estadual pelo PMDB, e se espalha democraticamente por políticos do PT (a ex-governadora Benedita da Silva) e do PR (o deputado federal Bispo Rodrigues). Também são da lavra do grupo dos Garotinho os casos de corrupção apontados pela Operação Telhado do Vidro, que envolve todos - isso mesmo, todos - os 17 vereadores de Campos, reduto do casal, além do prefeito, Alexandre Mocaiber (PSB), que se mantém no cargo às custas de uma liminar.
A situação no Rio é tão crítica que, na sessão da Assembléia que aprovou projeto obrigando a Justiça a libertar o deputado Álvaro Lins, preso em flagrante na quinta-feira, a deputada estadual Cidinha Campos (PDT) lamentou: "Sabemos que 40% dos deputados dessa casa estão envolvidos com as máfias de caça-níqueis e do tráfico. Que moral tem essa casa para pedir a revogação da prisão?", perguntou. Nenhuma, mas revogou assim mesmo. Lins está livre.
Antes, outros Estados ocuparam o lugar de destaque no ranking de corrupção. O Rio agora toma a frente, pelas mãos de políticos que deterioram ainda mais o ambiente público. Mas está longe de ser um caso isolado. Nas últimas semanas, um escândalo veio de fora: por documentos enviados pela Procuradoria Geral da Suíça, que indicam o pagamento de propinas pela francesa Alstom em contratos feitos nos governos tucanos de Mário Covas e Geraldo Alckmin. E também de dentro: o esquema de desvio de verbas do BNDES, cujo principal personagem é o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT).
A sucessão de escândalos envolvendo de forma tão democrática quase todo o espectro político merece reflexões. É condenável culpar toda a classe política por desvios de conduta que são tolerados pelos partidos, mas é verdadeira a afirmação de que são os partidos, em última instância, os fiadores da corrupção. Em primeiro lugar, porque encaram a corrupção para financiamento de campanhas eleitorais como um mal necessário do sistema político. Em segundo, porque toleram, nesse processo de apropriação do dinheiro público, também o enriquecimento privado - uma espécie de bônus àqueles que captam ilegalmente dinheiro para o caixa dois das campanhas, pela atividade de risco que exercem. Em terceiro, porque mantém um esquema de proteção a correligionários denunciados, seus e alheios, por meio da imunidade parlamentar e do espírito corporativo dos legislativos - que, por exemplo, mantêm intocado o instituto do foro privilegiado, que impede o julgamento dos parlamentares e ministros pela Justiça comum.
A magnitude que tem tomado os casos de corrupção política obriga os partidos a encararem de frente esse problema. São eles que têm alimentado um sistema político que depende fundamentalmente da corrupção. São eles que, representados no Parlamento, mantém como garantia de impunidade o foro privilegiado. E são eles que têm tratado a corrupção simplesmente como um instrumento de ocasião a ser usado contra os inimigos. E a corrupção é muito mais do que isso. Da forma como se generaliza, é um sinal contundente da deterioração do sistema político. Os partidos políticos são os responsáveis por ela e têm a obrigação de repor a credibilidade das instituições nos seus trilhos. Para isso, têm que cortar na própria carne.