Título: Política industrial para valer?
Autor: Alcides Amaral
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Opinião, p. A12

A política industrial é, sem dúvida, um passo à frente. Faz tempo que não temos política alguma de médio prazo e essa conquista deve ser comemorada. Serão R$ 25 bilhões até 2011 com o objetivo de "revitalizar" a indústria. E é aí que mora o perigo, embora ninguém do governo reconheça publicamente. Por tudo que li, vi e conversei à respeito, a introdução dessa nova política industrial - alicerçada em redução de impostos, créditos mais generosos do BNDES e subsídios - mostra o desconforto que vai tomando conta dos responsáveis pela política econômica que vê nossa indústria perder competitividade sistematicamente devido a excessiva valorização cambial do "real" frente a concorrência dos importados.

Só a título de ilustração , nos últimos 12 meses (de março de 2007 a março de 2008) as importações de "bens de capital" aumentaram 36,6% em quantidade e apenas 4,2% em preços. Os "bens de consumo não-duráveis", por sua vez, aumentaram 57,1% em quantidade e apenas 1,3% em preços. E "bens industriais" como um todo, que em 1997 representavam 15,8% das nossas importações, saltaram em 2007 para 20,3%, isto é, as importações representam hoje um quinto do consumo de bens industriais. Não é por outra razão que as montadoras irão levar mais de 50% dos incentivos (elas que já enviaram, este ano, quase US$ 2 bilhões de dividendos) enquanto o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) critica os critérios adotados pelo governo que deveria, isto sim, "apoiar setores com gargalos".

Como, entretanto, a deterioração da nossa balança comercial continua , projeta-se para este ano, otimistamente, um superávit de US$ 20 bilhões (desde que os preços das commodities continuem elevados), contra um superávit superior a US$ 35 bilhões em 2007. Quando se fala em nossas contas correntes a situação fica ainda mais delicada, pois o déficit de US$ 12 bilhões previsto pelo governo para o ano, em abril já era superior a US$ 14 bilhões, com perspectivas mais sombrias daqui para frente. Com o "dólar barato", as remessas de lucros, dividendos e viagens internacionais continuam crescendo de maneira acelerada. E esse continuará sendo o cenário caso continuemos a tentar contornar o nosso problema cambial ao invés de enfrentá-lo "de frente". A armadilha está armada, não é de fácil solução, mas quanto mais tempo passa a situação vai ficando mais aflitiva.

Mais recentemente, o governo foi forçado a aumentar o preço dos combustíveis, o que não acontecia desde 2005. Agora, com aumento de quase 100% do "ouro negro", não havia mais condições de continuar prejudicando a Petrobras, impedindo-a de ajustar o preço dos combustíveis . Pois bem, o governo autorizou o aumento da gasolina e do óleo diesel, mas desviou cerca de R$ 3 bilhões de recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para que o aumento da gasolina não fosse repassado ao usuário. Isto é, para evitar mais inflação - que é mais um grande desafio que o governo tem pela frente - usou recursos públicos para que nós (os "ricos") não paguemos mais pela gasolina quando enchemos o tanque do nosso carro.

No ano passado, o governo já havia autorizado o BNDES a dar maior suporte aos setores têxteis e calçadistas, pois ambos estavam quase desaparecendo, pois era - e ainda é - muito mais barato importar da China, Taiwan, etc. do que produzir aqui no Brasil. O "real forte" , mais uma vez, fazia e faz a diferença.

Quando o problema chegou na indústria de um modo geral - conforme exemplos acima -, acendeu-se uma "luz vermelha" de que algo tinha que ser feito para que a supervalorização da nossa moeda não destrua nossa industria, que sempre foi eficiente e competitiva.

-------------------------------------------------------------------------------- Quando faltar dinheiro para as atividades sociais, os recursos virão da postergação de liberação de verbas --------------------------------------------------------------------------------

Portanto, o que nos deixa preocupados com mais esse "pacote" do governo é que tudo será financiado com dinheiro público, quando esse mesmo governo dizia, há meses , que não poderia viver sem os recursos da CPMF. Agora, sem os US$ 40 bilhões da CPMF, "aparecem" bilhões de reais para fazer com que os investimentos diretos na economia saiam do patamar de 17,6% (em 2007 ) para atingir nada menos do que 21,0% do PIB em 2010. E, em contrapartida, para suprir os R$ 10 bilhões a serem designados para a saúde vamos ter "de engolir" mais um imposto (CPMF com outro nome, para não pegar tão mal).

Tudo seria muito bonito e mereceria aplausos se o governo, realmente, reduzisse suas despesas - especialmente de custeio - para fazer frente a essas necessidades. Mas, como nada disso vai acontecer e a máquina governamental continuará sendo inchada, os resultados dessa política industrial parecem de eficácia duvidosa. Quando faltar dinheiro para as atividades sociais, de onde virão os recursos? Certamente, como sempre acontece, da postergação de liberação de verbas , corte de investimentos e aumento da carga tributária.

O que queremos deixar registrado com toda essa argumentação é que o governo entrou numa "encruzilhada cambial" e não sabe como sair dela. Foi excelente como "âncora da inflação", mas não há mais espaço de manobra. Aumento do dólar significa mais inflação e "real forte" cria todos esses desarranjos na economia. E não é através de "band-aids" aqui e ali que o problema será resolvido. Precisamos pensar seriamente o que fazer com o câmbio - sem que a política de câmbio flutuante seja alterada - pois já dizia o professor Simonsen com toda sua experiência e sabedoria: "a inflação aleija e o câmbio mata". Temos reservas internacionais superiores a US$ 190 bilhões, o que é muito importante, mas não vão "segurar" eternamente o crescente déficit em contas correntes.

Portanto, aplausos pela iniciativa da política industrial, mas sou cético com relação a sua real eficácia. A velocidade do nosso crescimento econômico deve desacelerar no 2º semestre - economia mundial andando de lado, juros locais em alta assim como a inflação - e não vemos de onde o governo irá buscar todos esses bilhões de reais para fazer com que nossa indústria volte ao nível de competitividade de 3/4 anos atrás.

A hora da verdade está chegando e é bom que nos debrucemos sobre ela enquanto ainda é tempo. Ter nossa moeda como uma das mais fortes do mundo é bom para o "ego" mas não equaciona nossos problemas.

Alcides Amaral é jornalista, ex-presidente do Citibank S/A e autor do livro "Os limões da minha limonada".