Título: Campanha municipaliza debate sobre a segurança
Autor: Felício , César ; Jorgeb , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Especial, p. A14

Fernando Franceschini, secretário anti-drogas de Curitiba: precursor Responsabilidade dos governos estaduais, a discussão sobre a segurança foi municipalizada. Prefeitos candidatos à reeleição colocaram o tema no debate, independentemente se a violência local é crescente - como é o caso de Belo Horizonte, Salvador e Curitiba - ou descendente, como São Paulo.

Em apenas uma capital - São Paulo - o tema deve ser um trunfo para o candidato à reeleição. Ainda que a redução de homicídios no Estado tenha começado em 2000 e não esteja relacionada com políticas públicas paulistanas, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) teve nas ações de ordenamento público a maior marca de sua gestão. Em Curitiba, o assunto alimenta a disputa política entre o prefeito Beto Richa (PSDB), candidato à reeleição, e o governador Roberto Requião (PMDB).

Richa criou em abril a única Secretaria Municipal Anti-Drogas do país, entregue ao delegado da Polícia Federal Fernando Franceschini, que trabalhou na administração do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB) e investigou em 2006 um suposto esquema de corrupção envolvendo a empresa Alstom e autoridades públicas, a "Operação Castores". A preocupação da administração municipal com o impacto eleitoral do tema é evidente. "Uma pesquisa de opinião constatou que para 56% da população a segurança é a maior preocupação, seguido por 23% para a saúde e 17% para a educação", diz Franceschini. Cerca de 70% dos homicídios estão concentrados em cinco bairros e relacionados com o tráfico. O secretário planeja criar uma rede de colaboração entre lideranças comunitárias, montando uma espécie de serviço de informação sobre o que acontece nas áreas vulneráveis. A meta é arregimentar 2,7 mil pessoas na tarefa.

"O prefeito demorou três anos e cinco meses para descobrir que precisava criar uma secretaria anti-drogas, a sete meses para a eleição. Não vamos colaborar com esta politicagem pífia", ataca o secretário de Segurança do Paraná, Luiz Fernando Delazare. O secretário nega que haja uma crise no setor e contesta os dados do "Mapa da Violência", elaborado com base nos registros de óbito no SUS entre 2002 e 2006, que apontam para um forte crescimento no número de homicídios em Curitiba. "Há doze anos o número de assassinatos oscila em torno de 550 mortes por ano, o que indica uma taxa em torno de 30 por 100 mil habitantes. Os números do Mapa da Violência misturam homicídios com suicídios e óbitos por lesões corporais seguidas de morte", diz. Para Delazare, Richa faz "jogo para torcida". "A prefeitura tem que iluminar ruas e dar assistência social. Outra coisa é o trabalho de polícia", diz.

Em São Paulo, onde governo estadual e o municipal estão controlados pelo mesmo núcleo político, o ordenamento urbano feito por Kassab foi tocado pelo secretário das subprefeituras, Andrea Matarazzo, um tucano de inteira confiança do governador José Serra (PSDB), com integral engajamento da secretaria paulista de Segurança Pública.

Apenas em 2007 e 2008 foram 2.747 ações conjuntas no setor entre Estado e município - cerca de oito por dia. Kassab fechou 1.793 estabelecimentos comerciais apenas no ano passado. Na operação de maior impacto, o aparelho policial estadual e a prefeitura dispersaram traficantes de droga e exploradores da prostituição de uma área central conhecida como "Cracolândia". Ainda em áreas relativamente centrais, a prefeitura e o Estado agiram contra camelôs e contrabandista no Largo 13 de Maio, zona sul da cidade, e no bairro do Brás, zona leste. O resultado foi uma redução de delitos como roubo e furtos mais pronunciada nas áreas centrais de São Paulo do que na cidade como um todo.

"A prefeitura atuou nas pessoas jurídicas, fechando estabelecimentos irregulares, enquanto a polícia atuou nas pessoas físicas", comentou o secretário de Segurança Ronaldo Marzagão, sobre a operação na Cracolândia, onde 6 mil pessoas foram detidas e 70 efetivamente presas. O consumo de drogas ainda permanece na área, praticado entre os cerca de 1 mil moradores de rua que continuam no local. A prefeitura se comprometeu a garantir tratamento psiquiátrico para 600 moradores nos próximos dois anos.

Na área periférica, a ação conjunta foi mais discreta: houve uma grande operação, na Zona Norte de São Paulo, região onde o envolvimento de policiais com o crime organizado acabou acarretando a morte do comandante do policiamento da área. No Jardim Elisa Maria, bairro de 40 mil habitantes, a prefeitura investiu no fornecimento de infra-estrutura enquanto 600 homens da Polícia Militar atuaram em regime de ocupação permanente. O número de assassinatos caiu de 30 em 2006 para 11 em 2007 e zero no primeiro trimestre do ano.

Em Belo Horizonte, dados oficiais mostram que 138 pessoas foram assassinadas na capital entre janeiro e fevereiro, perfazendo pelo menos duas mortes por dia. Embora os indicadores revelem uma explosão da violência em BH desde a década passada, informações recentes indicam avanços. Enquanto os homicídios saltaram de 286 para 1.263 casos entre 1992 e 2004, dados não oficiais apontam para redução desde 2005, chegando a 959 ocorrências no ano passado. Os crimes violentos (execução e tentativa de roubos, homicídios e estupros) também caíram.

Entre janeiro e agosto de 2003, foram 30.984 casos, significando 42% do total do Estado. Nos mesmos meses de 2007, foram 18.102, ou 31%. Um dos fatores para essa queda foi a atuação mais incisiva da administração estadual. "O governo do Estado privilegiou, especialmente entre 2004 e 2007, a região metropolitana", diz Eduardo Batitucci, pesquisador do Núcleo de Estudos em Segurança Pública (Nesp) da Fundação João Pinheiro. O deputado estadual e pré-candidato à vice pelo PT na chapa encabeçada pelo PSB, Roberto Carvalho, também enfatiza a aproximação com o governo estadual. "Vamos aprofundar as parcerias já estabelecidas entre a prefeitura e o governo do Estado". Uma das propostas é estender o programa Centro Vivo, pelo qual a região central passou a ser monitorada por câmeras de vídeo, a outros bairros.