Título: Alta dos fertilizantes estimula uso do calcário
Autor: Bueno , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2008, Agronegócios, p. B12

O aumento dos preços dos grãos e dos insumos agrícolas, em especial dos fertilizantes, deu novo fôlego a um segmento do normalmente relegado do agronegócio: a produção de calcário para o controle dos níveis de acidez das lavouras. De um lado, os agricultores contam com uma renda extra para investir na melhoria da produtividade nas propriedades e, de outro, recorrem à correção do solo para obter o melhor aproveitamento do adubo aplicado.

"Os dois fatores trazem o segmento na carona", afirma o diretor administrativo da Mineração Mônego, uma das maiores do país no ramo, Florêncio Mônego Júnior. A empresa fica em Caçapava do Sul, que concentra sete das dez indústrias de calcário do Rio Grande do Sul, e espera neste ano chegar bem perto do recorde de vendas de 580 mil toneladas registrado em 2003. Nos primeiros cinco meses deste ano, o volume atingiu 150 mil toneladas, 25% a mais do que no mesmo intervalo de 2007.

O grande apelo do corretivo está no fato de que ele aumenta a absorção do fósforo e neutraliza o excesso de alumínio no solo, que prejudica o desenvolvimento das raízes e o aproveitamento dos nutrientes, explica o agrônomo Luiz Antônio Barcelos, da Emater-RS. De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Calcário Agrícola (Abracal), Oscar Raabe, em uma lavoura com o ph médio verificado no Rio Grande do Sul, de 5,3 (abaixo de 7,0 o fator já indica acidez), 30% do fertilizante utilizado deixa de ser aproveitado.

Conforme o professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marino Tedesco, a acidez reduz a produtividade em 20% a 35%, comparando-se plantações com oferta equivalente de nutrientes. Isto vale também para o sistema de plantio direto, predominante no Estado, no qual a palha e os restos da cultura anterior são deixados na lavoura para reduzir a erosão e conservar no solo, além de matéria orgânica, um pouco mais dos "antiácidos" cálcio e magnésio.

Segundo o professor, como o calcário melhora o aproveitamento do fósforo, o agricultor também pode diminuir a aplicação de adubos fosfatados sem perder produtividade. Para Raabe, entretanto, a correção do solo não chega a impor uma concorrência relevante com a indústria de fertilizantes, mas reduz os custos de produção por hectare porque evita desperdícios e aumenta o rendimento com o mesmo volume do insumo.

Com o aumento da demanda neste ano, o segmento conseguiu recuperar níveis de rentabilidade que não obtinha desde 2003. A tonelada passou a ser vendida a R$ 40, ante R$ 30 a R$ 32 em 2006 e 2007 e R$ 34 na safra 2003/04, diz Raabe. Apesar da alta, o calcário ainda custa pouco em comparação com os fertilizantes, que subiram em média 120% em dólar nos últimos 12 meses, para R$ 1,4 mil a tonelada nas principais formulações, de acordo com o presidente do Sindicato da Indústria de Adubos do Estado (Siargs), Torvaldo Marzolla Filho.

A expectativa de Raabe, que também é presidente do sindicato da indústria do segmento no Rio Grande do Sul (Sindicalc), é que as vendas de calcário neste ano cheguem a 23,3 milhões de toneladas no país, 10% a mais do que no ano passado e 3,2 milhões de toneladas a menos do que o recorde de 2003, e a 2 milhões de toneladas no Estado, ante 1,5 milhão em 2007. O problema é saber se o mercado tem espaço para seguir crescendo, depois de alguns anos de retração provocada por secas e pelas dificuldades financeiras dos agricultores.

Para ele, o potencial de aplicação do corretivo chega a 70 milhões de toneladas no Brasil e a 7 milhões de toneladas por ano no Estado, já levando em conta que 80% dos 5,5 milhões de hectares das lavouras locais de soja, milho, trigo e feijão são cultivados com plantio direto. A capacidade instalada da indústria fica na faixa de 45 milhões e 6 milhões de toneladas por ano, respectivamente, mas pode ser ampliada sem dificuldades caso a demanda exija, afirma. No total, as 240 empresas do setor no país empregam perto de 17 mil pessoas, calcula o empresário.

Segundo ele, a indústria já pediu apoio dos governos estadual e federal para estimular o uso do calcário por intermédio da orientação dada aos agricultores por instituições como a Emater e Embrapa e de iniciativas como campanhas publicitárias e vinculação da concessão de empréstimos oficiais aos agricultores à correção do solo. No Rio Grande do Sul a Secretaria da Agricultura pretende criar uma junta técnica para estudar o assunto, disse o chefe de gabinete do secretário João Carlos Machado, Paulo Lippi.

A indústria de calcário quase não exporta porque, conforme Raabe, os países que usam o insumo são auto-suficientes e a estimativa de tamanho do mercado doméstico depende dos períodos considerados mais adequados para a aplicação do produto, que variam de especialista para especialista. Para o professor, os intervalos podem ir de seis a dez anos e, neste último cenário, o volume anual necessário de aplicação de calcário no Rio Grande do Sul ficaria em 2,3 milhões de toneladas ao ano, sem considerar que no sistema de plantio direto as plantas ficam mais tolerantes à acidez.

O diretor técnico da Emater, Paulo Silva, prefere um meio termo. Na opinião dele, uma projeção razoável de potencial de demanda no Estado fica em torno de 3,5 milhões de toneladas por ano, tomando como base uma necessidade de reposição de calcário a cada quatro ou cinco anos. Ele diz que as regiões que mais necessitam de correção de solo são a metade sul e o noroeste gaúcho.