Título: As idéias renovadas de John Williamson
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2005, EU & FIM DE SEMANA, p. 10/15

O economista John Williamson, considerado "pai" do Consenso de Washington, decálogo neoliberal que serviu de "Bíblia" para políticas econômicas da década de 1990, tem dado a outra face a seus detratores e admite que os itens propostos no fim da Guerra Fria precisam de ajustes e releituras. Sem descolar-se dos adjetivos liberal e ortodoxo que sempre o acampanharam, Williamson admite que o mercado, ao contrário do que propunha tempos atrás, não pode tudo, nem deve . Para ele, hoje, o papel das instituições -e dos governos, portanto - é fundamental para regular e fiscalizar o setor privado e para que a economia funcione de maneira satisfatória. Desse modo, Williamson dá o braço a torcer a seu "adversário intelectual", Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de economia, crítico severo do Consenso de Washington. Mas Williamson, economista do prestigiado Institute for International Economics, também tem defendido uma agenda social, na qual a distribuição de renda é fator elementar, bem como as reformas agrária e trabalhista - para favorecer a entrada de mais pessoas no mercado formal - e um acesso irrestrito à educação. Williamson, inglês que mora nos EUA, demonstra satisfação com as decisões econômicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Considera que o cumprimento dos contratos pelo governo petista é uma alternativa para os governos de esquerda da América Latina, a maioria "populista". Sua ressalva em relação a Lula, curiosamente, ocorre na área social. A culpa seria da equipe extremamente ideológica, vinculada ao "velho socialismo". A seguir, os principais trechos da entrevista que Williamson concedeu ao Valor. Valor: Na sua revisão do Consenso de Washington, o sr. diz que a área social deve ter um papel de destaque, com melhor distribuição de renda e outras reformas. Como chegar a isso? John Williamson: A distribuição de renda na América Latina é a mais concentrada do mundo. Sua melhor distribuição pode ocorrer por meio da taxação maior das grandes propriedades, com políticas de microcrédito para os pobres, mais investimento na área de educação e reformas, como na área de agricultura, que pode melhorar a vida de muitos brasileiros. Mas a reforma agrária é um grande desafio para Lula. Não sei como ele pode resolver esse problema com o Movimento dos Sem-Terra (MST). Na área de reformas, acho que a Lei de Falências, agora aprovada, deve ajudar a economia. Era preciso atualizá-la. A reforma trabalhista e a da previdência social também são fundamentais. A reforma trabalhista, na minha opinião, só pode ser feita por Lula. Ele tem o compromisso de incluir mais pessoas no mercado de trabalho formal. Outro aspecto bom seria eliminar as regulações que dificultam a criação de novas empresas. Valor: Como o sr. vê essa agenda social no governo de Luiz Inácio Lula da Silva? Williamson: O governo é uma decepção na realização dos projetos da área social. Na política econômica foi mais inteligente, segundo avaliação dos analistas externos e na minha também. Na política social, vejo que o quadro de ministros segue uma ideologia de um velho socialismo. É tudo ideológico. Valor: Como vê a batalha ideológica hoje? Williamson: Um dos problemas principais da América Latina estava em que os únicos governos com preocupação de melhorar a distribuição de renda eram populistas, da esquerda tradicional, como o do presidente da Venezuela, Hugo Chaves. Para mim, Lula tem um significado importante na história. É um homem de esquerda e reconheceu os limites de seus colegas. Tenta melhorar o mundo com uma preocupação com os pobres, mas com uma maneira responsável, respeitando as regras da economia. Vimos isso ocorrer na Europa do Oeste. Valor: Lula seria, então, um expoente de uma social-democracia e na sua visão esse paradigma é o melhor para se atingirem os objetivos do pós-Consenso? Não é uma ruptura com seu pensamento liberal ortodoxo? Williamson: Boa pergunta. Os governos que defendem políticas mais liberais não são todos de direita. Isso é um mito. Muitossão da esquerda, como foi o de Felipe Gonzáles, na Espanha. Ele fez reformas liberais em seu país, mas é de centro-esquerda. Muitos políticos da direita não têm coragem para introduzir essa agenda liberalizante. A esquerda pode ser liberal, com viés social. Mas pode errar. Na Nova Zelândia, por exemplo, o governo foi de esquerda e liberal em demasia. Valor: O Consenso de Washington foi elaborado sob a ideologia do "fim da história", em que o mercado tinha função preponderante na economia. Mas, segundo avaliação recente de Francis Fukuyama, que cunhou aquele termo e também é um liberal ortodoxo, a fraqueza do Estado, depois do 11 de setembro de 2001, constitui-se num enorme desafio estratégico. Ele propõe que o Estado seja fortalecido. O sr. segue essa trilha? Williamson: Concordo com Fukuyama. Nós dois pensamos na grande evolução da estratégia econômica. Depois da Segunda Guerra, o pensamento liberal estava fragilizado. A Europa adotou políticas que colocaram o mercado de lado e privilegiaram o Estado. Com o fim do mundo comunista, o mercado se fortaleceu e o liberalismo foi a grande diferença, a evolução histórica. Para Fukuyama e para o mim, o fim do comunismo não implicava apenas uma mudança circunscrita aos países sob o regime socialista, mas para o mundo. O Consenso de Washington nasceu dessa conjuntura histórica, que apontava para um pensamento hegemônico como jamais fora visto. Valor: O economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, sempre foi um crítico severo do Consenso. O sr. já disse que ele criou uma polarização ideológica por um viés populista. Mas admite que suas críticas eram pertinentes? Williamson: Stiglitz atacou uma posição hipotética prevista no Consenso, para mostrar que pensava diferente. Seria mais valioso se tivesse feito suas críticas discutindo-as conosco. Em vários aspectos, Stiglitz, de fato, estava correto. Um deles era o de se associar a liberalização financeira a um sistema de regulação. Eu deveria ter pontuado esse item inicialmente. Mas fazer disso uma grande batalha ideológica não colaborou para a formulação de um pensamento novo e saudável. Valor: Concorda que o Consenso de Washington pode ser dividido em dois momentos: o primeiro, em que o mais importante era o "preço correto" para competir e o segundo, em que o mais relevante seriam as "instituições corretas"? Williamson: O Consenso de Washington são aqueles dez itens que destaquei em 1989. Não se pode dizer que qualquer outra coisa seja o Consenso. Mas concordo que as instituições são fundamentais. O mundo aprendeu isso ao longo da década de 1990, errando. Foi preciso entender que é importante ter instituições fortes para que o mercado funcione adequadamente. Sem elas, o curso da economia pode desandar, como ocorreu nas economias emergentes na década passada. Valor: No livro "Depois do Consenso de Washington" (Ed. Saraiva), o sr. diz que o Brasil precisa ser mais resistente a crises externas. Como vê a vulnerabilidade do país hoje? Williamson: Acho que foi fundamental o Brasil não repetir o mesmo erro da última vez, quando as condições ficaram favoráveis. Naquela ocasião, pouco antes das crises de 1997, 1998, o país tomou muitos empréstimos, a taxa de câmbio se valorizou demais. Isso levou ao déficit em conta corrente. Essa precaução não acontece só no Brasil, mas em quase todos os mercados emergentes. Valor: O sr. defende que é preciso manter uma taxa de câmbio competitiva para evitar crises futuras. Como avalia o impacto da desvalorização do dólar para o Brasil? Williamson: Há vantagens e desvantagens. A relação dívida/PIB fica menor e isso torna o Brasil menos vulnerável. A desvalorização do dólar reduz a pressão inflacionária, o que é muito importante agora. Mas há problemas. Na minha opinião, o real se valorizou demais e o governo precisa tomar cuidado. Valor: O BC defende o câmbio flutuante. O sr. não comunga da mesma opinião. O BC deveria adotar política de administração do câmbio? Williamson: Sim. E o BC já está mudando a política. Está diminuindo a dívida em termos de dólar e aumentando a dívida em termos de real. Isso tem efeito sobre a taxa de câmbio. Essa é uma política sensata. O governo gosta de falar que não tem política cambial, mas todo ministro da Fazenda e presidente do BC diz a mesma coisa. No entanto, não é algo para se levar muito a sério. Valor: O sr. se referiu à pressão inflacionária. O que acha das taxas básicas de juro do Brasil? Williamson: As taxas são muito altas e criam problemas para investimento no país e para o crescimento. Mas se o BC não reagisse quando as pressões inflacionárias apareceram no ano passado, sua política de metas de inflação não teria nenhuma credibilidade. Valor: Uma meta de inflação ampla e uma taxa de juro menor poderiam ser uma saída? Williamson: O problema é que se toda vez que a inflação aumentar um pouco o BC aumentar a meta, o banco perde credibilidade. Valor: Como deve ser a negociação do Brasil para a Alca? Um estudo do seu instituto mostra que, se houver acordo, a América Latina pode duplicar ou triplicar suas exportações imediatamente. Williamson: Infelizmente, a Alca não deve acontecer. Em especial para o Brasil e para a América Latina. As exportações brasileiras aumentariam muito. Mas o grande problema, na minha opinião, é a agricultura nessa negociação. Os EUA não têm vontade de fazer concessões para a América Latina e o Brasil não pode assinar o acordo sem a questão agrícola. Não sou muito otimista.