Título: Por que o BC é durão no início do ano?
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2005, Brasil, p. A2

Amais recente declaração pública do Banco Central sobre a inflação deixou muita gente de cabelo em pé. A Ata do Copom divulgada na semana passada chegou a ser chamada de terrorista por sinalizar novas rodadas de aumentos de juros para o futuro próximo. Mas há observadores experientes da economia brasileira dizendo que é natural o BC posicionar-se com bastante firmeza no início do ano e existem, de fato, pressões que podem levar a inflação além dos 5,1% pretendidos para este ano. E seria igualmente natural o BC, lá por abril ou maio, informar que vai usar o intervalo superior da meta, que permite uma inflação neste ano de até 7%. E, se isso ocorrer, o BC não estará enganando ninguém. Estará cumprindo o que diz a legislação que estabeleceu o regime de metas no país, há seis anos. O decreto 3.088, de 21 de junho de 1999, não obriga a autoridade monetária a atingir o centro da meta - no caso de 2005, os 5,1%. A meta será considerada "cumprida quando a variação acumulada da inflação (...) situar-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância", diz o decreto. Um desses observadores experientes é o professor de economia brasileira da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha. "Para quê serve o espaço de dois pontos e meio na meta de inflação? Para ser usado. O BC pode chegar em maio e dizer que estamos crescendo bem, etc, e que vamos usar o intervalo. E isso não será desastre nenhum". Ao contrário. Na opinião do professor, "será fantástico se o IPCA ficar em 6% com um PIB crescendo 4% neste ano". Ele lembra que quando o BC divulgou o seu Relatório de Inflação, em dezembro, a projeção feita por seus técnicos era de uma expansão de 4% para a economia em 2005. "O que está implícito nesses 4% é uma inflação mais para 6% do que para 5%." Mas, é claro, pondera Cunha, a autoridade monetária não pode no primeiro mês do ano, quando divulgou a ata da reunião que decidiu elevar o juro a 18,25%, declarar que não está mirando o centro da meta. Se fizesse isso estaria ajudando a formar um ambiente mais propício para a inflação subir. O economista Julio Sérgio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), critica os juros altos, que, se mantidos por meses a fio, pode "entorpecer, desacelerar, os planos de investimentos anunciados nos últimos meses por muitas empresas". Mas, assim como Cunha, entende que "todo início do ano é isso: o BC é mais conservador". Almeida avalia que o BC, em abril, ou mais adiante, poderá informar que não está mais mirando o centro da meta. O ideal, observa, seria o BC atuar neste ano como um bom guarda de trânsito num cruzamento movimentado. "Levanta a mão, controla a velocidade do consumo, deixa passar o investimento". Tanto Almeida quanto Cunha concordam que a demanda - uma das preocupações centrais do BC neste início do ano - está crescendo, sim. A expansão do consumo por bens semi e não duráveis, como mostrou o Valor na página A5 da edição de ontem, abre espaço para aumentos de preços, embora moderados.

PIB sobe 4% e IPCA, 6%, diz professor da PUC-Rio

Como o BC pouco pode fazer para combater a alta dos preços administrados, que sobem atrelados a índices diferentes do da inflação oficial (o IPCA), o combate concentra-se em jogar o juro mais para cima na tentativa de desacelerar o consumo - ainda que isso encareça o pagamento da dívida pública. Mas não são apenas o consumidor empregado, com um pouquinho mais de dinheiro no bolso, ou o aposentado, a quem os bancos vêm oferecendo crédito, que preocupam os técnicos da autoridade monetária em Brasília. O professor da PUC-Rio observa que quando a Ata do Copom informa sobre a possibilidade de que "fatores de auto-propagação (...) impulsionem a demanda agregada mais do que o previsto nos exercícios de projeção", o BC está também referindo-se a gastos públicos. "Quando o governo aumenta gastos de custeio também está ajudando a aumentar a demanda", diz Cunha. Segundo dados oficiais, esse tipo de despesa caiu 10% em 2003 e cresceu 25% no ano passado. Para o economista Paulo Rabello de Castro, da GRC Consultores, o gasto para movimentar a máquina do governo, "é o fator determinante, explicador, para essa pressão sobre a demanda". Ele, ao contrário de Cunha e Almeida, se surpreenderia com um eventual anúncio, mais adiante, de que o intervalo superior da meta seria usado neste ano. "Não cabe ao BC desistir do centro da meta. E também não podemos criticar o BC. Ele está cumprindo o seu mandato", diz Rabello de Castro. Para ele, o centro do problema está no Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que reúne os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do BC. O CMN determinou a meta de 4,5% para a inflação deste ano e depois reviu para 5,1%. "A lógica do BC é, sim, endiabrada. Mas não adianta falar mal do BC. Ele está apenas cumprindo o que lhe foi determinado." Rabello de Castro critica a maneira pouco transparente pela qual a meta de inflação é estabelecida pelo CMN e defende a ampliação do debate, com a participação de "gente mais experiente em assuntos de inflação, acadêmicos."