Título: Gabrielli defende partilha da produção
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2008, Brasil, p. A3

José Sérgio Gabrielli: a favor de congelar a inconclusa 8ª Rodada da ANP O aumento da tributação sobre a indústria do petróleo, diante da escalada de preços no mercado internacional e das recentes descobertas na camada do pré-sal, tornou-se consenso em audiência pública realizada ontem no Senado. Mas a forma de mudar a atual regulamentação do setor colocou em posições antagônicas a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). As petroleiras multinacionais se alinharam com o órgão regulador.

De um lado, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, fez uma defesa veemente de alterações na Lei do Petróleo, trocando o modelo vigente de contratos de concessão pela partilha de produção, adotada na maioria dos países com grande volume de reservas. Para ele, o risco exploratório na camada pré-sal é muito pequeno e "a Lei do Petróleo deve levar em conta a diferenciação de áreas no Brasil".

Gabrielli sugeriu a manutenção dos contratos de concessão já celebrados, mas refutou a idéia de que mudar o modelo para a produção futura possa trazer insegurança e afugentar investimentos. "Do ponto de vista internacional, a divisão não deve ser feita entre países desenvolvidos e emergentes, mas entre países de alto e baixo risco exploratório. Isso é o que vai fazer a diferença."

Em 2007, o índice de sucesso da Petrobras na exploração de poços alcançou 59% - quase três vezes a taxa registrada no início da década. Sem considerar a produção de Tupi ou de qualquer outro bloco do pré-sal, como Carioca ou Júpiter, a produção diária da estatal atingirá 2,812 milhões de barris em 2015 - o que dará ao país um excedente perto de 500 mil barris por dia em relação à demanda nacional projetada. Gabrielli ressaltou que, segundo números de referência do setor, 60% dos gastos de uma petrolífera com o desenvolvimento de um poço ocorrem nas fases de exploração e avaliação. É uma atividade de alto risco que antecede a produção, mas que praticamente inexiste no pré-sal brasileiro, comparou o executivo.

Por isso, o presidente da Petrobras defendeu o congelamento da inconclusa 8ª Rodada da ANP, que tinha blocos vizinhos a serem licitados próximos à área já identificada com alto potencial de reservas. "Se retomarmos a rodada com as franjas do pré-sal, estaremos dando aos participantes grandes chances de achar um bilhete premiado", assinalou.

No modelo de partilha da produção, uma companhia nacional retém parte do petróleo para ressarcir seus gastos e entrega o restante para o governo. A entrega pode ser física, em barris de óleo, ou a empresa vende o produto a preço de mercado e repassa o dinheiro ao Estado. "O regime de partilha dá mais instrumentos ao governo para fazer o ajuste fino de sua política para o setor. Esse tipo de contrato exige uma série de ações durante a operação de exploração que faz com que o governo tenha um poder de interferência que o contrato de concessão não dá", explicou Gabrielli, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), sublinhando que esse modelo permite à União administrar melhor o ritmo de exploração dos novos campos.

O diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, discordou. Ex-deputado comunista, ele advertiu que a lentidão na tramitação de mudanças na Lei do Petróleo pode "truncar o processo de exploração e produção". Lima voltou a defender a alternativa de manter os contratos de concessão como modelo para o setor, aumentando o valor máximo das participações especiais (PE) - tributo que incide exclusivamente sobre campos com alta produtividade.

Hoje o limite de PE é 40%, mas o valor pode ser alterado de imediato, mediante a assinatura de decreto presidencial. Lima mostrou que há defasagem na cobrança de participações especiais, que incide somente sobre campos com produção acima de 2,850 milhões de barris por trimestre. Em agosto de 1998, com o preço do barril a US$ 14, a isenção contemplava quem produzia até US$ 40,5 milhões por trimestre. O preço do petróleo disparou, mas os volumes beneficiados pela isenção continuam os mesmos. Resultado: hoje estão livres da cobrança todos os poços que produzem até US$ 368 milhões por trimestre, segundo ele.

O presidente da CAE, Aloizio Mercadante (PT-SP), levantou números que indicam como essa isenção tem prejudicado a arrecadação pública. De janeiro a março de 2008, de acordo com o senador, apenas 14 das 74 plataformas marítimas e 6 das 179 plataformas em terra pagaram participações especiais. A maior tributação incidiu sobre o campo de Marlim e valor cobrado ainda ficou distante do limite permitido - foi de 31,2%. Na média, a PE alcançou 18,05%. "Vamos falar claro: só a Petrobras paga", disse Mercadante. "A maioria dos campos não paga absolutamente nada. Se continuarmos com esse modelo, o Estado vai ficar só roendo o osso", emendou.

Até as petrolíferas - reunidas no Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), que representa também as multinacionais - já concordam em elevar a tributação. Mas, em sintonia com o diretor-geral da ANP, preferem o aumento das participações especiais, sem mudanças na Lei do Petróleo. O presidente do instituto, João Carlos de Luca, disse que a indústria não é contra mudanças, mas acha possível acomodá-las dentro do atual regime de exploração. "Devemos esgotar as tentativas de mudança por meio do contrato de concessão. O desafio nosso é ajustar a legislação atual, que é vitoriosa, sem paralisar os investimentos", afirmou Luca.

Ele cobrou também a retomada dos leilões da ANP e lembrou que há um intervalo de até 12 anos, na camada pré-sal, entre a licitação e o início da produção. Sem extrair petróleo de um campo como Tupi, comparou o executivo, "o governo deixa de arrecadar de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões por ano". "É uma CSS a cada 12 meses", complementou Luca, em referência ao imposto que pode substituir a CPMF.