Título: Do Havaí a Washington, uma ascensão meteórica
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2008, Internacional, p. A9

Ele chegou à cidade mais de duas décadas atrás, jovem idealista com uma ambição de ajudar os pobres e, quem sabe, ser escritor. Barack Obama nada sabia do duro jogo político em Chicago, mas sabia ouvir e aprendia rápido.

Ele gostava de falar sobre mudanças sociais. Entrou para a política lá de baixo. Como um organizador comunitário mal remunerado, organizou manifestações por criação de empregos e por melhores serviços urbanos -por qualquer coisa que ajudasse os pobres a melhorar suas vidas.

Agora, uma geração mais tarde, Obama, o "elemento estranho" que há não muito tempo batia de porta em porta e gastava a sola dos sapatos apenas para ser ouvido, está fazendo história como o virtual candidato democrata para disputar a Presidência e como primeiro negro a representar um grande partido na corrida à Casa Branca.

Trata-se de um salto gigantesco em sua já improvável trajetória dos exóticos rincões do Havaí e da Indonésia aos salões privilegiados de Harvard, às ruas miseráveis de Chicago e, finalmente, aos corredores do poder no Congresso.

AP Obama com a mãe, Ann (morta em 1995), o padrasto indonésio e a meia-irmã Mas foi em Chicago que Obama aprendeu a articular coalizões, compreender o valor de acordos e a necessidade de estreitar diferenças - tudo o que, diz ele, funcionará na Casa Branca. Em Chicago, Barack Obama, o ativista, tornou-se Barack Obama, o político.

Ele conseguiu o feito com base em sua experiência de "elemento estranho", sempre encontrando maneiras de mesclar-se em mundos que não eram o seu.

"Ele era um estranho, mas abriu seu caminho", diz Mike Kruglik, que trabalhou com Obama como um organizador. "Ele era capaz de ver-se nas outras pessoas."

Desde o primeiro momento, Obama mesclou culturas.

Seu pai, também Barack Obama, foi um bolsista que viajou de seu pequeno vilarejo no Quênia para freqüentar a Universidade do Havaí. Sua mãe, Stanley Ann Dunham (o pai dela sempre quis um filho), era branca e tinha 18 anos quando eles se conheceram. O menino nasceu em 4 de agosto de 1961. O casamento de seus pais, porém, teve vida curta.

O pai de Obama deixou sua família para estudar em Harvard quando o filho tinha 2 anos, retornando apenas uma vez, oito anos mais tarde. Depois dessa visita, os dois nunca mais se viram.

Obama, então, já vivia na Indonésia - terra natal de seu padrasto, Lolo Soetoro, outro estudante universitário que sua mãe tinha conhecido no Havaí. Para o jovem Obama, foi uma exposição precoce às duras realidades da pobreza no Terceiro Mundo.

AP Obama na praia com o avô materno, Stanley, cuja família era do Kansas Quatro anos depois, Obama voltou ao Havaí, primeiro vivendo com sua mãe, e em seguida, com seus avós maternos, todos originários do Kansas.

Hoje, Maya Soetoro-Ng vê traços de todos os três membros da família em seu meio-irmão.

No Havaí, Obama era típico. E atípico. Foi bolsista na respeitada Punahou School, uma escola particular em Honolulu.

O garotinho gorducho que colecionava figurinhas do Spider-Man e de Conan, o Bárbaro, adorava basquetebol (seu apelido era "Barry O'Bomber") e durante seu último ano na faculdade sua equipe foi campeã estadual.

Havia também um lado introspectivo, o "elemento estranho" tentando dar conta de suas raízes birraciais. Embora tivesse um grupo diversificado de amigos, ele e dois outros colegas entre os poucos estudantes negros em Punahou reuniam-se semanalmente para o que passou a ser conhecido como "cantinho étnico".

Após o ginasial, Obama cursou o Occidental College em Los Angeles. Depois, transferiu-se para a Universidade Colúmbia, diplomou-se e teve alguns empregos, entre eles como redator para uma newsletter empresarial.

Então, ele encontrou um novo emprego numa cidade que viria a moldar sua vida. Obama chegou a Chicago em 1985 com um mapa da cidade e um novo emprego - organizador comunitário.

Salário inicial: pouco mais de US$ 10 mil ao ano, mais dinheiro suficiente para comprar um Honda detonado. Obama era um estranho em Chicago, mas a vida no exterior lhe deu experiência como forasteiro e uma empatia natural por pessoas sem dinheiro e poder, diz Gerald Kellman, o homem que o contratou. Atuando pelo Projeto de Desenvolvimento de Comunidades, Obama organizou igrejas de negros no Distrito Sul industrial, uma área mutilada pela perda de siderúrgicas e fábricas.

"Ele não tinha problemas em confrontar o poder e confrontar as pessoas nos temas importantes", diz Kellman. "Quando chegava a hora de enfrentar as situações cara a cara, ele valorizava muito a cordialidade... Quando chegava a hora de negociar conflitos, ele era muito habilidoso".

Obama ficou íntimo de muitos que ajudou a organizar - inclusive mulheres com idade suficiente para serem suas mães.

"Ele explicava as coisas de um jeito que ninguém ficava ofendido", diz Loretta Augustine-Herron, uma dentre os membros fundadores do projeto das comunidades. A mulher o apelidou de "Obama cara de bebê". Eles o criticavam duramente quando só almoçava salada de espinafre, riam quando apresentava os seus passos de dança e brincavam sobre a sua seriedade.

Em três anos como organizador, Obama se tornou mais pragmático, pensando sobre seu pai, um funcionário público na África. "Ele tinha essa consciência de que seu pai era idealista demais e que não realizava o que queria", acrescenta Kellman (Obama escreveu mais tarde que seu pai, morto num acidente de carro no Quênia, morreu como um "homem amargo").

Obama estava pronto para seguir adiante - para a Escola de Direito de Harvard. Mas ele prometeu voltar. Ingressou em Harvard mais velho que muitos de seus colegas de classe, penetrando numa incubadora para a elite da América. Seus colegas de classe e professores o relembram como um intelectual dono de uma capacidade de discernimento madura.

Obama teve dois momentos importantes durante os seus anos de Harvard: um deles ocorreu durante o seu primeiro verão, quando trabalhava num escritório de advocacia e conheceu outra formanda em Direito por Harvard, Michelle Robinson, que se tornaria sua mulher e mãe de suas duas filhas, Malia and Sasha.

O outro foi um sucesso profissional: Obama virou manchete ao ser eleito o primeiro presidente negro da Revista Jurídica Harvard, talvez o mais prestigioso jornal jurídico do país.

Com a formatura, jorraram ofertas de emprego poderosas. Obama optou por tomar outra direção. De volta a Chicago, Obama passou a trabalhar em uma pequena firma ligada à defesa dos direitos civis e a lecionar Direito Constitucional na Escola de Direito da Universidade de Chicago.

Em 1996, ele foi eleito para uma vaga no Senado do Estado, representando Hyde Park - a região de South Side que engloba a prestigiosa universidade assim como bolsões de extrema pobreza.

Obama tornou-se conhecido como um pragmático que cruzou fronteiras partidárias, trabalhando com republicanos e democratas. Mas, na condição de novato da atmosfera exclusivista de Springfield (capital do Estado de Illinois), Obama também experimentou reações de indiferença. Inicialmente, alguns parlamentares o viam arrogante. Suas raízes, seu estilo - ele evita a retórica de corte racial que alguns políticos negros usam - sempre provocaram debate sobre sua identidade racial. Alguns líderes negros e analistas sempre questionaram se ele seria ou não "negro o suficiente".

Após perder uma eleição, Obama começou a arquitetar seu próximo passo - uma campanha para o Senado Federal.

Ele lançou sua carreira política nacional com um discurso programático comovente na Convenção Nacional Democrata de 2004. A agitação começou naquela mesma noite. Comentaristas e políticos apregoaram-no como possível candidato à Casa Branca.

Quatro meses depois, Obama, ancorado em alguns golpes de sorte, ganhou assento no Senado, em vitória esmagadora.

Parecia ter um toque de Midas: dois livros de sucesso, dois prêmios Grammy por gravá-los em áudio, capas de revistas, aparições na TV, convites por todos os lados.

Depois de dizer que não tinha intenção de concorrer a presidente, mudou de idéia e anunciou a candidatura em fevereiro de 2007. E assim começou uma prova de resistência de 16 meses.

Encheu estádios gigantescos no rastro da campanha, atraindo eleitores com sua oratória altiva e a mensagem de uma "mudança na qual se pode acreditar", além das promessas de encerrar a guerra contra o Iraque.

Acumulou grandes maiorias entre os eleitores negros, jovens e com formação universitária, mas encontrou mais dificuldades para convencer votantes idosos, da classe trabalhadora e algumas mulheres. Ao longo do caminho, sua campanha arrecadou quase US$ 265 milhões, quantia recorde, de cerca de 1,5 milhão de colaboradores, sendo que a maioria doou pequenos valores pela internet.

Mas ele também tropeçou. Enfrentou reiterados questionamentos sobre sua capacidade de discernimento pela associação com seu antigo e polêmico pastor tendo que, por fim, denunciar os comentários dele como "desagregadores e destrutivos". E também teve de voltar atrás quando chamou de amargos os moradores de pequenas cidades - comentário que seus críticos disseram ser elitista.

Em maio, sua campanha estava novamente encaminhada e Obama visitou a Câmara dos Deputados. Foi inundado por desejos de boa sorte, apertos de mão, tapinhas nas costas. Alguns até o chamaram de "senhor presidente".