Título: Projeto inédito preserva araucária no Paraná
Autor: Barros , Bettina
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, Brasil, p. A3

Em vez de replantar o que foi destruído, uma iniciativa inédita desenvolvida no Paraná ajustou o foco para manter de pé as manchas verdes remanescentes da Mata Atlântica. O que está em jogo é a preservação da araucária, a árvore símbolo do sul do país. Lançada em setembro de 2007, a campanha "Desmatamento Evitado", da organização ambiental Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), sediada em Curitiba, chegou à marca de 2.800 hectares preservados nos Estados do Paraná e Santa Catarina.

"Pode até parecer pouco, mas isso já representa quase 5% de todas as florestas de araucária que sobraram no Brasil", afirma Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS. Segundo ele, restam no Paraná 60 mil hectares bem preservados com a espécie - ante os 8 milhões de hectares originais. Em Santa Catarina a situação é um pouco pior. No Rio Grande do Sul, praticamente nada (menos de 1%) sobrou após décadas de desmatamentos resultantes do crescimento desordenado.

Para manter as áreas intactas, a ONG ambiental recorreu à iniciativa privada. Fechou parcerias com grupos como Fundação Boticário e Positivo, que passaram a investir diretamente na preservação das araucárias. "É uma mudança importante de conceito, porque até então as empresas pensavam apenas em programas de plantio", explica Borges.

O grande ganho de escala, porém, veio com a adesão do banco HSBC, que compensou as emissões de CO2 de cada um de seus 100 mil veículos e 150 mil residências seguradas por ano. De acordo com uma média calculada segundo o perfil dos clientes do banco, a organização ambiental chegou à conta da compensação ambiental: para cada apólice de automóvel foram adotados 88 m2 de área e para as apólices residenciais foram adotados 44 m2de matas com araucárias.

A cada ano, estima-se um volume de emissões de aproximadamente 700 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) emitidos pelos clientes segurados do banco, considerando-se modelo e média de uso do veículo, no caso dos seguros de automóveis, e estimativas de consumo médio de energia elétrica, gás e geração de lixo do cidadão brasileiro, para as apólices de residências.

O contrato com o banco tem duração de três anos, mas o HSBC diz ter interesse na continuação do projeto. "Quando entramos em um programa como esse não podemos olhar para o curto prazo", afirma Marcelo Teixeira, CEO de Seguros do HSBC para a América Latina.

Teixeira diz que o projeto com as araucárias tem apresentado resultados tão bons que o banco começou a aplicar o mesmo conceito de preservação em outros países. Em maio, Teixeira fechou uma parceria com uma ONG mexicana para preservação de matas nativas no norte do país. Neste mês, será com a Argentina. Em dezembro outros contratos serão assinados no Panamá, Honduras e El Salvador. "Queremos transformar essa linha de pensamento numa estratégia para a América Latina", diz o executivo da instituição financeira.

No caso brasileiro, os aportes do banco somam R$ 3,5 milhões por ano. O dinheiro é repassado pelo HSBC à Vida Selvagem e Educação Ambiental, e desta às propriedades. Cabe à ONG identificar as áreas propícias ao investimento e fornecer o plano de uso para a área verde. As propriedades são visitadas mensalmente pela organização.

"Queremos menos varejo e mais atacado", diz Borges, acrescentando que a entidade está aprendendo com esse modelo do HSBC e miramos grandes grupos. "Com grandes grupos ganhamos escala. Porque se não agirmos, o que está aí desaparecerá. Estamos raspando o fundo do tacho", pondera.

A idéia de chamar a iniciativa privada para ação também é uma "provocação" para as autoridades públicas, afirma Borges. No Paraná, especificamente, a SPVS critica a política ambiental da administração de Roberto Requião (PMDB), que privilegia a ação policial para inibir crimes ambientais e o plantio de mudas. "Não temos recursos nem policiais para tomar conta das áreas verdes", diz o executivo. "Esta é uma gestão errada porque as últimas araucárias estão caindo sob as barbas do governo", acrescenta.

De acordo com levantamento da ONG SOS Mata Atlântica, apenas 7,3% da área original desse bioma está preservada nos 17 Estados que o abrigam no país.