Título: Commodities ainda vão pressionar a inflação
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, Especial, p. A16

A recente queda das cotações das commodities no mercado internacional não deve trazer alívio aos preços cobrados do consumidor brasileiro no curto prazo. Analistas ouvidos pelo Valor duvidam que a retração seja uma tendência e observam que a defasagem entre os preços internacionais e o mercado interno pode chegar a até seis meses.

Depois de uma escalada, os preços agrícolas perderam o fôlego nas cotações internacionais. Entre fevereiro, quando atingiu o pico, e maio, o índice de commodities agrícolas cedeu 7%, conforme cálculo da RC Consultores. A queda foi capitaneada pelo açúcar, que recuou 17% na bolsa de Nova York. Também caíram os preços de café (-12%), suco de laranja (-12%) e soja (-4%).

Os economistas apontam fatores conjunturais para o recente "escorregão" das commodities: a valorização do dólar nas últimas semanas, a desaceleração da economia americana contagiando outras regiões, e o desmonte de posições especulativas. Eles ponderam que persistem fatores inflacionários estruturais como o crescimento das nações emergentes, petróleo mais caro e maior demanda por etanol.

Os preços de algumas matérias-primas metálicas também recuaram, caso do ouro (-4%) e do zinco (-10%). No entanto, o índice de preços de commodities não-agrícolas, medido pela RC, subiu 20% entre fevereiro e maio. Por conta da influência do petróleo, que avançou 29% no período, não houve arrefecimento. No mercado interno, também não há sinais de alívio. Os índices de preços do atacado (IPA) agrícola e industrial subiram, respectivamente, 4,8% e 5,9%, no acumulado do ano até maio, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para o diretor de pesquisa e estratégia para América Latina do West LB, Ricardo Amorim, a inflação mundial está longe de terminar porque a demanda asiática se mantém aquecida. Ele atribui o recuo recente à valorização do dólar, provocada pela reação da economia dos Estados Unidos ao estímulo fiscal do governo. "Não vai passar do próximo trimestre. Os problemas dos setores bancário e imobiliário não foram resolvidos."

A crise dos EUA está impactando outras economias, como Europa e Japão, que devem crescer menos neste segundo trimestre. O economista-chefe do Morgan Stanley no Brasil, Marcelo Carvalho, acredita que o recuo temporário do preço das commodities é conseqüência dessa contaminação, mas argumenta que persistem fatores de pressão como a demanda dos países emergentes e o maior consumo de etanol.

O diretor de pesquisa de mercados emergentes da Goldman Sachs & Co, Paulo Leme, não acredita que a inflação brasileira deve dar trégua no curto prazo. "A inflação no Brasil é mais um fenômeno provocado pela demanda forte do que por fatores exógenos", acredita. Para ele, a tendência dos preços dos alimentos, dos metais e da energia é de alta, porque a demanda cresce forte, enquanto a oferta está restrita. "O mercado de commodities está realizando lucros e reagindo às variações no câmbio e nos juros americanos", reforça.

Carvalho, do Morgan Stanley, calcula que o impacto da variação dos preços das commodities pode demorar até seis meses para chegar ao mercado brasileiro. "Ainda tem muita inflação de alimentos acumulada. Vamos ter mais pressão na inflação ao consumidor nas próximas semanas", disse.

Fábio Silveira, sócio da RC Consultores, explica que o efeito é retardado pelos estoques na indústria e no varejo. "O mesmo fenômeno ocorreu no ano passado, quando os preços explodiam no exterior e continuavam comportados aqui dentro", diz. Silveira discorda de algumas avaliações e acredita que "a inflação dos alimentos pode estar ficando para trás" e que os preços das commodities tendem a estabilizar ou até recuar por conta da desaceleração da economia dos EUA.

Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, o efeito em produtos agrícolas pode chegar ao Brasil em até três meses; no caso das metálicas, o efeito pode ser mais demorado. Ele citou o caso do trigo, que já caiu em torno de 40% no mercado internacional desde meados de março, e que no atacado brasileiro já se estabilizou. "Essa estabilização vai ser sentida pelo consumidor mais à frente, mas ocorrerá no mesmo período em que os preços do arroz estarão subindo 30%", comparou. Os choques de oferta de produtos, observa, não ocorrem ao mesmo tempo, o que faz com que as acomodações de preço nem sempre sejam percebidas no conjunto da inflação.

Gomes lembra ainda que alguns itens, como o aço, têm repasses de preços periódicos no Brasil, e por isso não acompanham a volatilidade das bolsas internacionais. Para Gomes, a acomodação de preços no mercado externo atenua, mas não muda o ciclo inflacionário brasileiro. Ele prevê para o ano IPCA de 5,5% em 2008.

Para a economista-chefe do ABN Amro Real, Zeina Latif, o cenário mundial não sinaliza desaceleração nos preços do petróleo. Já as commodities metálicas, que iniciaram o ciclo de alta em 2006, parecem ter alcançado um equilíbrio de preços desde março. Zeina avalia que a queda recente nas commodities pode ser um sinal de acomodação, mas sem indicar queda. Tanto que ontem, petróleo e parte das commodities agrícolas e metálicas voltaram a subir.

Para a economista, o efeito no Brasil pode ser uma 'freada' na inflação de alimentos no segundo semestre. "Neste cenário, uma desaceleração mundial com pequena valorização do dólar não teria impacto relevante sobre o real e teria impacto favorável sobre a inflação no país", afirma Zeina, que prevê para o ano IPCA de 5%.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, também visualiza desaceleração nos preços de alimentos no segundo semestre. Para o petróleo, prevê preços em patamares elevados, mas sem as subidas tão fortes como as registradas nos meses anteriores, por conta de uma retração na economia global. "A desaceleração do crescimento mundial será importante nesse sentido", diz. Para o Brasil, ele prevê acomodação nos preços de alimentos no segundo semestre. "O cenário para o segundo semestre já era de uma acomodação de produtos básicos como arroz e feijão, que já estão voltando no mercado doméstico, a não ser por feijão até o final de junho, quando entrar a safra nova."

Marcela Prada, da Tendências Consultoria Integrada, também espera desaceleração nos preços das commodities e na inflação brasileira no segundo semestre, associada a uma desaceleração na atividade industrial, que ocorrerá sob efeito da elevação da taxa de juros, com o IPCA fechando a 5,5%.