Título: Oposição manobra para adiar votação da CSS
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, Política, p. A9
A oposição fez ontem uma manobra regimental e conseguiu adiar para a próxima semana a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), a nova CPMF. Os governistas já haviam conquistado maioria dentro da Frente Parlamentar da Saúde e votariam o texto na noite de ontem. No último momento, porém, o DEM, o PSDB e o PPS encontraram uma forma de derrubar a sessão do plenário e suspender a votação e aprovação do tributo que foi extinto há menos de seis meses.
O Regimento Interno da Câmara prevê que o relator de um projeto pode pedir, antes da votação começar, 24 horas a mais de prazo para analisar as emendas feitas ao texto. No caso da criação da CSS, o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da frente da Saúde, era o relator em nome da Comissão de Seguridade Social.
Ontem, pouco antes das 20h, quando a votação estava para começar, Guerra subiu à tribuna, discursou contra o tributo e pediu o prazo. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), não podia fazer outra coisa a não ser atender o pedido do parlamentar. "É regimental", afirmou o petista.
A votação poderia ser hoje, mas a base aliada sabe que diversos parlamentares viajarão para os Estados e o quorum será muito baixo. "A base terá de estar aqui unida para votarmos a CSS na próxima terça-feira", convocou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).
A manobra da oposição pegou o governo no melhor momento das articulações pela aprovação do tributo. A Frente Parlamentar da Saúde já tinha a maioria de seus 243 deputados a favor da criação do imposto, diante da associação que o governo fez entre a nova CPMF e a verba para a Saúde. No Ministério da Fazenda, era também grande a expectativa, uma vez que está pronto o projeto do Fundo Soberano, aguardando apenas a votação do novo imposto para ser mandado ao Congresso.
A base aliada optou por incluir a CSS dentro do projeto de lei complementar que regulamenta a Emenda Constitucional nº 29, que obriga o governo a repassar mais recursos para a Saúde. O Senado havia aprovado o texto determinando que o repasse obrigatório para a Saúde seria calculado com base na receita corrente bruta, chegando a 10% do total da receita em 2011.
Hoje, o conta é feita com base nos investimentos feitos no ano anterior mais a variação do PIB nominal. Os deputados mudaram o projeto e restabeleceram as regras atuais, para desgosto da frente da Saúde. Os recursos provenientes da arrecadação da CSS, porém, ficarão de fora do rol de "verbas investidas no ano anterior".
Mas essa já era uma questão vencida ontem. A maior parte da frente já se conformara com a modificação diante da intransigência do governo. Os últimos ajustes estavam sendo feitos no âmbito dos Estados. O governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), passou o dia na Câmara tentando fazer alterações que livrassem os Estados de repassar mais recursos para a Saúde.
Hoje, os Estados são obrigados a repassar o equivalente a 12% de sua receita corrente para a Saúde (os municípios devem investir 15%). Nos últimos dias, os governadores tentaram incluir na lista de "recursos para a Saúde" dinheiro investido em saneamento e, até, pagamento de inativos. Ontem, Cid Gomes pleiteava a retirada dos recursos investidos no Fundo da Educação Básica (Fundeb) do cálculo dos repasses para a Saúde nos Estados.
Nas contas feitas por secretários de Saúde dos Estados, a mudança tiraria até R$ 6 bilhões dos investimentos em Saúde. Nem os governistas aceitaram fazer a alteração. Cid, então, ameaçou tirar o PSB do apoio ao novo tributo e foi preciso negociar. Ficou acertado que apenas o volume de verbas do Fundeb repassados aos municípios ficariam fora dos cálculos. Mas nenhum líder e nenhum técnico tinha a conta exata de quanto isso significaria.
Cid Gomes aposta que não passará de R$ 1,5 bilhão. "Dentro dos R$ 70 bilhões investidos na Saúde com a criação do novo imposto, R$ 1,5 bilhão não é nada", disse. Para técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) ouvidos pelos líderes, o valor pode chegar até a R$ 4 bilhões. Foi feito, então, um acordo: se o impacto superar R$ 1,5 bilhão, os líderes vão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pedirão o veto à alteração que eles mesmo estão propondo.
Com relação ao tributo, não houve alterações de última hora no texto. A alíquota será mesmo de 0,1% sobre as movimentações financeiras. A CSS só vigorará, caso aprovada, a partir de janeiro de 2009.
Ficou acertado também que haverá isenção para aposentados, pensionistas e trabalhadores que recebem até R$ 3.038,00. E a oposição criticou duramente o que chamou de "mentira" sobre a isenção. O DEM apresentou ontem o "feirão da inflação", no qual criticou o excesso de gastos do governo Lula e, segundo os democratas, o conseqüente descontrole dos índices de inflação.
"A CSS é inflacionária. Dizer que quem ganha até R$ 3,038 mil será isento é uma mentira. O 0,1% a ser cobrado pelo tributo será repassado para a sociedade, irá incidir sobre a cesta básica em toda sua cadeia produtiva", disse o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), um dos líderes do movimento. No "feirão" apresentado pelos deputados, havia a variação do preço de diversos produtos fundamentais para o brasileiro nos últimos doze meses. O feijão foi o campeão, estando 141% mais caro, segundo o DEM. A carne subiu 29%, o pão 27%, o óleo de cozinha 68%, o arroz 34% e o tomate 74%.
Ontem, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) defendeu a aprovação da CSS com o argumento de que a Saúde pública brasileira precisa de uma solução "estruturante", sem ficar sendo "jogada de um lado para o outro". Temporão negou que o sistema de Saúde brasileiro esteja "falido", mas reconheceu que opera "no limite" do possível para atender à população. "A regulamentação da Emenda 29 é fundamental. Na prática, temos um conjunto de políticas do ministério que estão paradas por falta de dinheiro. Os recursos de hoje mantêm o nível de oferta nos limites atuais, mas não dá para aumentar nada", afirmou.