Título: BC cumpre sinal e corta amarra
Autor: Ribeiro, Alex ; Bueno , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, Finanças, p. C1

O Banco Central confirmou as expectativas dos analistas do mercado financeiro e decidiu por unanimidade subir em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros da economia, de 11,75% para 11,25% ao ano. Foi a segunda alta no atual ciclo de aperto monetário, que começou em abril com um movimento também de 0,5 ponto percentual.

O comunicado divulgado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC logo após a reunião foi mais enxuto do que os anteriores, dando poucas pistas sobre quais serão os próximos passos. "Dando prosseguimento ao processo de ajuste da taxa de juros básica iniciado na reunião de abril, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 12,25% ao ano, sem viés", disse o comunicado do BC.

Em abril, o Copom informou que, ao aumentar os juros em 0,5 ponto percentual, o BC estava fazendo uma "parte relevante do aperto monetário", expressão que foi considerada uma amarra da qual o BC precisava se livrar, o que aconteceu ontem. A partir do comunicado, analistas econômicos passaram a projetar uma alta total de 2 pontos percentuais na taxa Selic. Nas semanas seguintes, porém, uma parte relevante dos economistas do mercado começou a trabalhar com a perspectiva de aumento de até 4 pontos percentuais na taxa básica, em virtude da piora dos indicadores de inflação.

Maiores detalhes sobre a decisão só serão conhecidos na quinta da semana que vem, quando será divulgada a ata da reunião de ontem. Nos seus documentos oficiais, como atas e o relatório trimestral de inflação, o BC tem dito que o aperto na política monetária é necessário para reduzir o ritmo de crescimento do consumo e dos investimentos, adequando-os a expansão da oferta da economia. Em abril, o BC disse que o ajuste na taxa de juros era necessário para evitar que, em um ambiente de economia aquecida, pressões inicialmente localizadas em índices de preços, em parte causadas pela alta internacional dos alimentos, levassem a uma deterioração persistente das expectativas de inflação do mercado.

Nesta semana, as expectativas de inflação para 2009, que cada vez mais norteiam as decisões de política monetária, superaram pela primeira vez a meta definida para o ano, de 4,5%, chegando a 4,6%. O BC tem demonstrado preocupação também com o avanço dos núcleos de inflação, que mostram que a aceleração recente dos preços está se tornando permanente.

Com a alta decidida ontem, os juros nominais chegam ao seu mais alto valor desde junho de 2007, quando estavam em 12,5% ao ano.

O diretor da Modal Asset - instituição incluída nas Top 5, as que mais acertam previsões entre as cem ouvidas pelo Boletim Focus -, Alexandre Póvoa, teme que a decisão de alta de 0,50 ponto possa colocar o BC "atrás da curva" de juros. Póvoa considerava a opção por uma alta maior, de 0,75 ponto, mais interessante por reforçar a credibilidade da autoridade monetária "em um momento em que as pressões inflacionárias vêm de todos os lados". Como o mercado de juros futuros já estava precificando a possibilidade de 30% para a elevação de 0,75 ponto na reunião de ontem e mais quatro elevações de 0,50 ponto até o final do ano, a decisão de ontem poderá, em um primeiro momento, gerar um "fechamento na curva", o que certamente não seria interessante para o BC. É na verdade a estrutura a termo da taxa de juros a que forma o custo dos empréstimos. A função da Selic é a de apenas sinalizar o movimento básico da curva. "Desde a reunião de março, quando o Copom praticamente avisou ao mercado sobre o aperto monetário, o BC conseguiu acrescentar mais de um ponto percentual no juro real prospectivo de um ano, e isso apesar da piora nas expectativas de inflação. Este ganho para a política monetária, em termos de encarecimento de crédito, não deve ser colocado em risco agora", diz Póvoa. O economista previu, com exatidão, que o Copom iria ontem retirar do comunicado pós-reunião a expressão "parte relevante do movimento da taxa básica de juros" , a qual criou uma amarra que indicava a intenção de um ciclo de aperto monetário mais curto. O BC se livrou desta camisa-de-força ontem.

O economista-chefe da Concórdia Corretora, Edson Teles, acredita que, apesar de preferir manter o ritmo de alta na taxa e de não dar maiores informações no comunicado pós-reunião, o Copom irá sinalizar na ata que a piora no cenário prospectivo para a inflação poderá requerer um ajuste total na Selic superior ao imaginado inicialmente. Na opinião de Teles, como a decisão veio em linha com a aposta majoritária do mercado, não deverá trazer maiores implicações nos preços dos ativos. "Ao manter o ritmo de aperto monetário, o Copom também procurou transmitir aos mercados que a situação atual recomenda serenidade", diz o economista. Para o Copom, a piora no cenário inflacionário não se configurou como uma grande surpresa para a instituição, mas apenas a confirmação de suas preocupações.

Paulo Tenani, chefe de pesquisa para América Latina do UBS Wealth Management, considera a taxa de juros um instrumento muito ineficiente para sedar a inflação de demanda. O juro alto ataca a inflação só quando consegue derrubar o dólar. Mas a Selic alta está perdendo esta eficácia porque o dólar já caiu muito. Por isso, o BC precisa ser auxiliado por outros mecanismos antiinflação. E o mais eficiente deles, na opinião de Tenani, vem da política fiscal. "O corte de gastos públicos age diretamente sobre a raiz da inflação de demanda", diz Tenani.

Apesar de nada surpreendente, a decisão do Copom provocou as costumeiras manifestações de repúdio por parte de entidades da indústria e de trabalhadores. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), alertou que o ciclo virtuoso de crescimento pode vir a ser comprometido. "A alta excessiva dos juros anula os efeitos positivos de políticas de estímulo à produção, pois encarecem o financiamento para investir na produção", diz a entidade em nota. E a conseqüente valorização do real reduz a competitividade dos produtos nacionais. Ambos conduzem ao menor crescimento.

Para Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-esturtura e Indústrias de Base (Abdib), o combate à inflação não é somente uma responsabilidade da autoridade monetária, mas sobretudo "um desejo da sociedade". "O poder público, como um todo, incluindo todos os poderes e os três níveis federativos, precisa assumir a responsabilidade de trabalhar para diminuir a pressão sobre os preços", diz ele. Para o presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz, o governo optou por "gastar mais com o serviço da sua dívida em vez de direcionar ações contra o gargalo da infra-estrutura e os gastos públicos ineficientes, que causam efeitos diretos sobre os preços ao consumidor. Dois aumentos seguidos na Selic representam um acréscimo no serviço da dívida de R$ 6 bilhões.